Eu só peço a Deus – Que a dor não me seja indiferente

Neste momento cresce no mundo e no Brasil o número de infectados e mortos pelo coronavírus e muito se fala em perdas econômicas, mas pouco se diz sobre as perdas emocionais, que deixam uma imensa dor provocada pelas cenas de mortes que chegam a qualquer hora.

A Itália mostra a imagem de caminhões carregando mortos para serem enterrados em diversas regiões do país por causa do colapso dos cemitérios e a Espanha expõe uma pista de patinação de um shopping que virou um necrotério para receber os cadáveres, o que não permitiu velar os corpos.

O adeus também está sendo solitário em nosso país, porque os óbitos da covi-19 devem obedecer a um protocolo, que prevê a não realização de velórios, em que os corpos devem ser sepultados com os caixões lacrados e têm casos em que as vítimas do vírus são enterradas em vala comum.

Assim são erguidos provisoriamente necrotérios e hospitais de campanha e as despedidas dos familiares são feitas através de uma tela de celular, já que ninguém pode se aproximar de uma pessoa infectada. É uma dura realidade, que impede de dar sentido à morte, onde o luto individual e coletivo não tem tempo de ser processado.

Além disso, teremos o luto pela falta de consciência, pois certas pessoas se arrependerão por ignorar a quarentena e por zombar da letalidade do sars-cov-2. Mesmo diante desse cenário de padecimento existem grupos que buscam o conflito, investem na desinformação e negam o valor científico das medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias, colocando em risco à vida da população.

Esses indivíduos se comportam como membros de uma seita, que glorificam torturadores, sequestradores e assassinos da ditadura, idolatram armas de fogo e nutrem o seu ódio por meio de fake news. É uma seita comandada por líderes lunáticos, que possuem um desejo doentio de eliminar os seus opositores.

Aliás, tais criaturas são incapazes de diálogo e afeto: sentem-se melhores perante as covas e caixões, visto que os seus impulsos tanáticos superam os de vida e os seus gritos podem até nos amedrontar, contudo, desaparecem como poeira ao vento.

Sigmund Freud nos alertou que o mundo se move entre duas pulsões: a do Eros, que é o amor pela vida e de Tanatos, que é impulso de destruição que hoje se manifesta na pandemia. Mas para Freud, o impulso da vida é superior ao de morte, senão teríamos nos autodestruído, uma vez que há países, inclusive o Brasil, que preferem superar a crise sob a égide da democracia e da justiça.

Portanto, não devemos ser omissos ante a gravidade dessa situação e confiar mais na ciência que tem condições de vencer a covid-19, e precisamos lutar contra os demônios do ódio e da ignorância, que geram dor e morte. É como diz o verso da canção de León Gieco: “Eu só peço a Deus/Que a dor não me seja indiferente/Que a morte não me encontre um dia solitário sem ter feito o que eu queria.”

Enfim, a crença na ciência e a nossa solidariedade em ajudar os mais vulneráveis nos permitirão sair dessa pandemia mais unidos e para impedir que essa seita de alucinados continue no poder, gerando sofrimento e desamparo para milhões de brasileiros.

Jackson César Buonocore é Sociólogo e Psicanalista







Jackson César Buonocore Sociólogo e Psicanalista