Oração da Gestalt
“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.”
(Fritz Perls, 1969)
Está é a Oração da Gestalt. A Gestalt Terapia foi criada por Fritz Perls e é uma abordagem psicológica que possui uma visão de homem e de mundo pautadas na doutrina holística, na fenomenologia e no existencialismo. É conhecida também como a terapia do contato e seu enfoque está sempre no aqui e agora.
Sempre encarei a oração da Gestalt como um mantra a ser repetido em situações nas quais acontece a confusão entre o que é meu e o que é do outro, entre o que sou eu e o que é o outro. Sempre procurei lembrar-me destas palavras quando me percebo sofrendo por algo que veio do outro, mas que não é meu.
Os encontros interpessoais durante a nossa trajetória são muitos, alguns intensos e outros rasos. Cada outro que se aproxima do nosso eu deixa marcas e leva as que deixamos. E nessa de leva e deixa cria-se a confusão do que sou eu e do que é o outro e do tamanho da representatividade daquela relação em nossa vida.
Quantas vezes o sofrimento emocional lhe impregnou em decorrência de algo que veio do outro? Palavras, olhares, expectativas decepcionadas. Ah, como são complexas as nossas relações por virem sempre “empanadas” nas expectativas!
Não estamos no mundo para viver de acordo com a expectativa do outro, nem o outro para suprir as nossas, mas elas existem! As expectativas são criadas, a todo o momento, por nós mesmos e pelo outro. São como ervas daninhas, nascem na mesma proporção em que tentamos nos livrar delas. Não há como viver sem expectativas e nem como ser completamente livre das relações com o outro. Em cada encontro, em cada troca, as nossas coisas se misturam, há sempre a troca, a sempre o contato, há sempre dois “eus” que então se modificam. Não há como sair intacto de qualquer relação, mas há que se ser inteiro durante todas elas.
Manter a tênue distância sugerida por Fritz Perls entre o que sou eu e o que é o outro talvez seja tarefa das mais complicadas, mas deve funcionar.
Quando observo relações saudáveis, quando me deparo com gente saudável emocionalmente, elas parecem ter o domínio de até onde podem ir em cada relacionamento. Elas parecem manter um eu estruturado que consegue se aprofundar muito em relações diversas, muitas delas sólidas e duradouras; sem se tornarem simbióticos nem tampouco dependentes do outro. Parecem sofrer menos, dificilmente se ofendem por questões corriqueiras e mesmo sem conhecer as palavras de Perls, são ilustrações perfeitas do que ele propôs.
Parece que o encontro – o lindo encontro – sobre o qual escreve o autor, precisa de duas pessoas vivas como personagens. Há que se ter cuidado para não se tornar um vírus: sem vida própria e vagando pelo mundo à procura de uma célula viva que o alimente, que supra suas necessidades e para a qual ele não oferece nada em troca. Há que se ter uma vida, há que se ter as suas coisas a fazer para que não se cometa o erro de fazer das coisas do outro e da vida do outro, a sua.
O mantra vale também para aqueles que se deixam abater pelos problemas do outro, para os que sofrem a dor alheia, para os que carregam nas costas fardos indevidos, e para estes eu tenho também ou outro mantra, bem mais simples e bem famoso também: “você é problema seu”.
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