Fabíola Simões

A experiência do amor, mesmo quando não dá certo, é transformadora

Ontem conversamos e achei que sua voz carregava uma tristeza rara, que há tempos eu não via. Você tentou despistar, me convencer por alguns instantes que tudo estava bem, mas por trás da aparente calmaria pude reconhecer lapsos de agonia. Isso me fez lembrar a frase de Jostein Gaarder: “O fato de o mar estar calmo na superfície, não significa que algo não esteja acontecendo nas profundezas”. Então respeitei seu tempo, e mais tarde você confirmou: a vida estava lhe pesando mesmo.

Sabe quando a gente é criança e tenta fazer o movimento de subida numa escada rolante que está descendo? Nem sempre vencemos o desafio, a escada não dá trégua e é mais forte e mais rápida do que nós, e de vez em quando temos que nos render e simplesmente deixar que ela nos conduza para o lado que quer.

É isso que eu queria dizer para você hoje: às vezes a vida é mais forte que a gente. E embora eu acredite em milagres, em recomeços e superações, também aprendi que entrar no ritmo da vida é sinal de sabedoria. Pois nem tudo está ao nosso alcance no momento. Nem tudo podemos prever ou controlar. O que podemos fazer é tentar enxergar o que a vida está tentando nos ensinar. Porque isso é certo também: a vida ensina por meios tortos, e enquanto a gente não aprende, a dor se repete.

A gente pode amar muito uma pessoa, fazer planos de uma vida inteira ao lado dela, prometer que estará junto nos melhores e piores momentos, fazer pactos, sonhar que irá envelhecer lado a lado… mas nada disso é suficiente se a outra pessoa não quiser. Nada disso se concretizará se a outra pessoa não se comprometer. E a única coisa que você pode fazer é reconciliar-se com o adulto que você se tornou. A pessoa que, por forças que não dependiam de sua vontade, não teve suas promessas cumpridas. Como eu já disse: jamais se culpe por aquilo que não dependia somente de você.

 

O lado bom é que a experiência do amor, mesmo quando não dá certo, é transformadora. Você nunca mais será o mesmo após ter amado muito alguém. A experiência da dor também ensina. Por isso não há que se falar em arrependimentos. Não há espaço para arrependimento se você entender que tudo contribuiu para o seu crescimento e fortalecimento. Tudo foi permitido por Deus, e se hoje você é uma porcelana colada e remendada, isso o torna mais rico e amadurecido também. Às vezes você tem que fazer a coisa errada para aprender a certa.

Com o tempo e alguns tombos, me tornei uma pessoa mais intuitiva. E a cada dia tento dar mais ouvidos à minha voz interior. Porque a gente se confunde muito. Nos misturamos ao barulho de fora e perdemos a conexão com o fio invisível que carrega a maioria das respostas. Nos agitamos na superfície, vivemos ansiosos, queremos controlar aqueles que amamos, escolhemos mal, sofremos por antecipação e somos pegos de surpresa porque não damos ouvidos à nossa intuição. Talvez seja hora de recuperar esse poder escondido, fazendo perguntas e escavando no fundo de nossa alma os caminhos possíveis. Só assim entraremos no ritmo da vida e entenderemos a maioria dos acontecimentos. Pois enfim descobriremos que as histórias já haviam sido contadas dentro da gente, a gente já sabia o final, a gente já conhecia a maioria das perdas e ganhos, só que a gente escolheu viver aquilo que convinha; aquilo que, mesmo machucando, valia a pena viver…

Imagem de capa: SunCity / Shutterstock

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Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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