Em bom português fachada cega ou empena é a maneira de designar as paredes externas de um edifício, sem aberturas de janelas ou portas, e que muitas vezes viram local para propagandas ou pinturas murais. Nossos hermanos argentinos lhes dão o nome de medianeras… que é também o título de um filme que se propõe a abrir vãos e trazer luz aos olhares, e que provoca já na chamada do cartaz com a seguinte pergunta: “Como encontrar o amor se você não sabe onde ele está?”
A promessa da resposta na tela, aparece ao colocar em foco os medos, as manias e principalmente as neuroses das pessoas nas relações sociais e amorosas nesses tempos atuais. E a partir daí transporta o pensamento para o contexto, as dificuldades, entraves e redes que envolvem ou isolam os seres em afetos possíveis ou realizáveis.
Promessas de sonhos palpáveis ou só visíveis. É fato que se não se sabe onde está o amor, ele pode estar em qualquer lugar… até do outro lado da tela desse computador… nesse momento… Então a grande questão é: o que te basta? Alguém que vá preencher o seu mundo real com todas as qualidades e defeitos, ou um par que caiba ideal na medida da sua fantasia? As duas coisas valem e podem fazer feliz, desde que esteja claro que o que se tem é o que se quer.
No filme, por esses campos de concreto e chat, passeiam dois solitários e partidos corações portenhos. Vindos de relacionamentos frustrados, vizinhos de rua, de prédio, de parede cega e de visão limitada pelo tamanho da tela sobre a qual se debruçam, Martin e Mariana, seguem, por medo, tédio e comodidade, fadados à lonjura no dia a dia. Numa rotina que os oprime, enquadra e encaixota em espaços pequenos e mal pensados, são retratos de uma geração que marca de longe e se acua de perto, mas que por outro lado, se aproxima, apaixona e solta os instintos e as delicadezas em seus domínios virtuais.
Sujeitos aos desencontros e às brincadeiras do acaso, destino ou o nome que leva tudo aquilo que une ou afasta, carregam a sina de ocuparem o mesmo espaço em momentos diferentes, pessoas separadas por segundos de distância, que quase se esbarram e ainda assim não se vêem. Feitos um para o outro, vão caminhando em paralelo e ao largo de um bit e meia quadra, sem nunca se conhecer. Vida que pode estar ali do lado de fora da janela à espera de um compasso.
Nesse sentido é quase certo se identificar com eles em algum momento da trama, pois que delete o primeiro compartilhamento quem nunca se rendeu ao conforto, à segurança e à rapidez de um envolvimento virtual, pretensamente imune às decepções e ao sofrimento. E quem, por outra, no momento seguinte ao apagar do led, não se sentiu sozinho num mundo tão cheio de gente e acontecimentos e opções. E é aí que se chega ao ponto central desse conto urbano e inspirado e atual, que é a solidão.
Mais do que as suas diversas caras e alcances e dores, o que está em questão são os artifícios de atropelamento de oportunidades e fuga dos sentidos que o modo de vida tecnológico de hoje pode oferecer como alento efêmero e fictício ao vazio que vai no peito, no leito e no drama. A certa altura Martin pergunta “se há algo mais desolador no século 21 que não ter nenhum e-mail na caixa de entrada?” Diria que por ora, o filme é de 2011, a falta de curtidas em uma foto postada, ou não receber mensagens no aplicativo do celular…
E é esse o convite primeiro à reflexão. De maneira simbólica e efetiva, a certa altura da história, paredes são quebradas e permitem a entrada de luz na casa e frescor na vida. Permitem respirar. Mas principalmente obrigam a desviar a cabeça da tela, olhar o entorno por uma nova abertura e perceber o universo que está ao redor… seja um pedacinho de céu, um outdoor ou alguém solidário na dor da solitude…
Ou ainda, quem sabe, seja um grande amor!… logo ali na virada da empena ou escondido no meio das gentes, esperando por um sinal, um foco, um farol… ou só um pouco de atenção. A solidão não tem cara bonita e nem é de muitos amigos, mas se afasta quando a vida se move.
::: Marco do cinema contemporâneo argentino, Medianeras (que no Brasil, pra variar, recebeu o questionável e desnecessário subtítulo de ‘Buenos Aires na Era do Amor Virtual’), é o desdobramento de um curta de 2005, também escrito e dirigido por Gustavo Taretto. A história de solidão vivida pelo web designer com síndrome do pânico Martin (Javier Drolas) e pela arquiteta, fóbica e vitrinista Mariana (Pilar López de Ayala) se passa no interior de seus apartamentos apertados e diante do consolo de um computador amigo. O excesso de urbanização das cidades e o advento das relações sociais que se fazem cada vez mais latentes, acabam por definir o isolamento e o modo como é difícil perceber o mundo que está em volta. Com citações de Woody Allen (Manhattan) e Tim Burton (O Estranho Mundo de Jack) e o auxílio luxuoso para tempos de tédio do livro “Onde Está Wally?”, o filme traz belas e ou instigantes imagens, usando e bem abusando das intervenções gráficas. Diversão leve e garantida , além de um chamado a agir mais do que pensar. :::
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