*Para ouvir com trilha sonora
Amanhã comemoro mais um ano de vida e com o ano que tive, é impossível não fazer uma breve retrospectiva do que foi esse último ano. Lembrei-me logo do dia do meu aniversário há exato um ano e com isso lembrei também da raiva que senti naquele dia. Aliás, ano passado foi um ano em que senti muita raiva e a morte traz um tipo de raiva que dá mais raiva de sentir porque não tem em quem colocar a culpa. Sim, porque temos essa péssima mania de buscar culpados para nossas frustrações, achando que com isso deixaremos de sentir raiva, é a morte ensina que, claro, isso também é ilusão.
Foi pensando nessa raiva e em toda a frustração que a perda de pessoas tão importantes para mim me trouxe, que emprestei da música dos Los Hermanos o título desse texto. Coincidentemente (ou não), amanhã eles farão show em Curitiba, onde irei comemorar meu aniversário. Ainda com certa tristeza, mas certamente sem raiva e muito mais leve.
“Falar do que foi para mim, não vai me livrar de viver.”
Não. Foi o que aprendi com toda a raiva que sentia no ano passado quando queria desesperadamente dar um abraço na minha mãe, no meu pai e no meu avô e na ânsia de fazer tudo isso, me envolvi em uma discussão muito raivosa com o frentista do posto, por um motivo tolo, mas claro, o frentista do posto foi o canal que encontrei para descontar a raiva, a tristeza, a frustração que estava sentindo naquele momento. E não me orgulho disso.*
Ano passado ganhei o último abraço de aniversário da minha vida do meu pai, do meu avô e (quase) da minha mãe. E eu sabia disso. O que eu não sabia era o que fazer com tudo aquilo que sentia. Perdão, caro frentista. E ao longo do ano, falei, conversei, desabafei com tantos amigos queridos, mas falar do meu sofrimento com tanta gente, não me impediu de sofrer.
E é assim também com a tristeza, a vergonha, o medo e todos os outros sentimentos que nos invadem o coração, por motivos diversos e que não queremos sentir. Falar, contar, esbravejar, gritar, escrever, não vai nos livrar de viver. E muitas vezes tenho a impressão que esquecemos disso. E as redes sociais, os diversos canais que facilitaram a comunicação moderna não escondem esse esquecimento. Nós gritamos aos quatro cantos, mas o que “esquecemos de lembrar” é que isso não nos anistia do sofrimento.
Acho que falamos, com a esperança de que quanto mais falarmos, mais nos acostumamos e mais tornamos banais acontecimentos pesados que nos assolam o coração. E, assim, apostamos na ilusão de que banalizar acontecimentos extremamente dolorosos ou amedrontadores ou até vergonhosos irá nos livrar de viver a tristeza, a frustração ou a angústia que vêm “acopladas” no processo.
Porque no fim do dia, não importa o número de abraços que você ganhou, nem em quantos colos você chorou. Não importa quantas pessoas te “absolveram” de julgamentos ou sermões por aquela burrada que você cometeu, de novo e de novo. Nem quantas te julgaram. Não importa quantas vezes você falou sobre aquela escolha extremamente dolorosa que você teve que fazer. Nem as justificativas e desculpas que você conta no intuito de amenizar a dor e a culpa. Ou sobre a dor de perder alguém que ama. Ou em quantos pedaços seu coração foi partido e você partiu o coração de outra pessoa. Não, não importa quantas vezes você conte essas histórias para si e para os outros, no fim do dia, nada disso vai te impedir de viver. Nem de sofrer.
Cada escolha que fazemos é solitária. A nossa dor é solitária. As nossas experiências são solitárias. A raiva é solitária, o arrependimento é solitário, a tristeza é solitária, as consequências de nossas escolhas e atos são extremamente solitárias. Dividir tudo isso pode sim aliviar cargas, pode nos tornar mais humanos ou iguais até, mas não nos livrará de sofrer.
Portanto, podemos também buscar refúgio em nós mesmos. Sentir e sentir muito. Escolher nossas batalhas, aprender a dominar nossas emoções (antes que elas nos dominem). E quem sabe não esquecer que toda escolha carrega em si renúncias e consequências e é importante pensar nisso antes de fazer uma. Hoje, olhando o furacão que foi o ano, não tenho mais raiva e isso me traz a certeza de que o melhor professor, o melhor calmante, o melhor antidepressivo ou ansiolítico, o melhor remédio para todo o mal que nos inunda a alma é e sempre será o tempo. E, por falar nele, que venham ainda mais alguns (ou muitos) anos de VIDA.
*E a reflexão sobre a discussão com o frentista eu relatei nesse post.
*Artigo escrito originalmente em 15-10-2015.