Marcel Camargo

A falta de diálogo transforma pessoas próximas em meros desconhecidos

 

É muito difícil, com a correria do cotidiano e as várias atribulações que se acumulam em nossos dias, arranjarmos tempo para desfrutarmos de momentos triviais junto a quem amamos. Amigos, familiares, parceiros, qualquer um que não estiver marcado nos compromissos de nossa agenda trabalhista será quase que automaticamente relegado a segundos e terceiros planos.

Vivemos comprometidos com pessoas que fazem parte de nosso mundo dos escritórios, bancos e clientelas, ao passo que desmarcamos os compromissos com pessoas que não fazem parte de nosso dia-a-dia profissional. E, assim, vamos alimentando nossas necessidades materiais, enquanto nos esquecemos de alimentar a nossa essência humana. Vamos comprando tudo o que não levaremos conosco, tudo o que enche os nossos olhos, mas não completam nossas carências afetivas e emocionais.

E é dessa forma que acabamos nos distanciando de pessoas e de momentos únicos e especiais, chegando em casa cansados e extenuados, passando por quem anda conosco verdadeiramente, atravessando-os, como se fossem invisíveis. Passamos reto por nosso parceiro, por nossos filhos, pelos amigos sinceros, porque queremos mais é sentar e olhar para a televisão ou para o tablet, em busca de descanso.

Em vez de acalmarmos os nossos passos junto ao amor reconfortante de quem torce e espera por nós, optamos por nos isolar de tudo e de todos nestes poucos momentos longe do trabalho, confundindo distanciamento com descanso, fuga com silêncio, desinteresse com cansaço. E desprezamos justamente quem está ali, pronto para nos receber, ouvindo nossas vidas, sentindo nossas lutas, acreditando em nosso melhor e aceitando o nosso pior.

E as pessoas então se cansam, cansam de aguardar por nada, de esperar por ninguém, de falar para o vazio de quem não demonstra um mínimo de consideração, de quem nem se lembra do quanto já lutaram, do quanto já caminharam até chegarem ali. Dessa forma, amigos e parceiros vão, a pouco e pouco, tornando-se meros estranhos que mal se olham, mal se veem, mal se amam. Mal se conhecem mais.

Lutar por um relacionamento é preciso, sempre que necessário, porém, lutar sozinho, numa batalha que já se perdeu, é por demais degradante – ninguém há de se humilhar a esse ponto. Regar diariamente sempre será mais inteligente do que tentar trazer de volta à vida folhas secas amontoadas pelo chão. Porque há perdas que não voltam mais, por mais que se arrependa. Por mais que doa. Lidar com as lembranças então será o que resta.

Imagem de capa: Elena Dijour/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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