A fé que nasce da escuridão

O que acontece quando o homem chega a um ponto em que não sabe mais o que lhe espera, quando a rotina desmorona, quando o desconhecido se apresenta, quando todas as certezas se tornam incertas, e não há mais garantias da vida acostumada que, ele antes, conhecia?

Bem, essa mesma questão foi levantada por Edward Teller,  um físico agnóstico americano, de origem húngara e descendência judaica, que, curiosamente parece ter-se convertido à fé antes de morrer.

É dele esta frase que responde à minha proposição:

“Quando você chega ao fim de toda a luz que conhece, é hora de adentrar a escuridão do desconhecido. Ter fé é saber que uma destas duas coisas vai acontecer: ou lhe será dado algo de sólido em que se apoiar, ou ensinarão você a voar.”

Muitos de nós nunca chegamos a esse ponto cego, escuro, e sem luz.

Mas todos  nós conhecemos pessoas próximas a nós, que chegaram ao fim de toda a luz que conheciam.

Olhamos para elas e não acreditamos que possam estar sobrevivendo a  tamanha pressão e ainda sejam capazes de continuarem caminhando na escuridão do desconhecido.

Como se nada estivesse acontecendo. Como se tudo estivesse bem.

Elas se levantam da cama, tomam o café, seguem para as suas obrigações habituais, falam e respondem a questões, sorriem, se alegram por breves momentos, amam com intensidade, lêem, assistem filmes, oram, falam de Deus com extrema reverência, dirigem seus carros, executam a jornada diária, tomam banho, e dormem.

Como se, na escuridão, tivessem encontrado alguma espécie de sinalização adicional que não lhes foi concedida no caminho luminoso.

Que sinalização é essa que nós não vemos?

Que tipo de segurança encontraram quando nada mais parece humanamente possível, quando todos os recursos foram esgotados diante de uma doença terminal, a morte de um filho, uma tetraplegia, ou qualquer outro acontecimento  igualmente devastador?

Em cem por cento dessas situações, elas encontraram FÉ.

Fé  não é a garantia de que tudo vai ficar bem,

mas a certeza de que uma dessas duas coisas vai acontecer:

– ou lhe será dado algo de sólido em que se apoiar,

– ou lhe ensinarão a voar.

Cada uma dessas alternativas aponta para fora do homem e para dentro de Deus.

Não há sólidos disponíveis na matéria quando todas as certezas se desmancham no ar.

Mas há sólidos disponíveis na espiritualidade,que não precisa de átomos para fazer surgir algo de concreto em que nos apoiarmos.

Eu já me apoiei em passarinhos e borboletas,  na hora mais escura da minha vida.

E no dia em que eles me faltaram,  Deus me ensinou a voar.

De alguma maneira, a fé me catapultou da escuridão total para uma luz que só eu via.

E é isso que não entendemos,  quando somos meros observadores da escuridão do outro.

Como ele consegue continuar vivendo após a perda de um  filho?

Como ele sorri e segue com metástase de CA, em alguns órgãos vitais?

Que fé é essa que eu não tenho?

É a fé de que – se lhes faltar algo sólido em que se apoiar,-  eles serão ensinados a  voar.

Na verdade, na hora escura, os dois fenômenos se alternam:

Há dias em que Deus nos dá algo sólido para nos apoiarmos,

Há outros em que Ele nos ensina a voar.

Quem precisa de uma muleta quando se tem um par de asas?

Nós, os que estamos na “luz”, e olhamos para a escuridão do outro,  não  conseguimos enxergar  nem o apoio e nem as asas, que só ele consegue substantificar.

Porque nos falta essa qualidade de fé que nasce da escuridão.

De forma que aqui,  um paradoxo se apresenta:

QUANTO MAIS ESCURO É O CAMINHO, MAIS ILUMINADA É A FÉ.

Não queremos experimentar esse tipo de fé.

Fugimos das experiências dolorosas, como o diabo foge da cruz.

E não precisamos procurá-la.

Basta-nos saber que aquele que adentrou o caminho da escuridão ganhou uma luz adicional, que nós não vemos, uma  lâmpada com capacidade de força muitíssimo mais forte do que as lâmpadas que iluminam os dias normais e felizes.

Nessa luz eles têm uma – de duas coisas:

– Ou algo sólido em que se apoiar,

– Ou alguém que os  ensine a voar.

Imagem de capa: Anna Om/shutterstock

Ana Maria Ribas Bernardelli

Estudante de humanas-idades, cidadã do céu e da terra, escritora por compulsão, leitora de letras, de pontos, de reticências, e de linhas, interventora de paisagens, solitária por opção, gregária por necessidade, gosto de músicas, filmes em que só as pessoas acontecem, documentários, biografias, e todas as obras de Clarice Lispector e de Watchman Nee. Vivo a espiritualidade, sem religião. Não tenho afinidades com rituais e com scripts que se repetem. Amo a liberdade, os animais, as plantas, os velhos, as crianças, e todos os seres que se sentem estranhos no ninho. Fujo de superficialidaes, e não tolero nenhum tipo de injustiça, crueldade, ou tirania. Adoro a Deus e a ele quero servir. Escrevo para organizar a vida, para aguentar o tranco, e em cada texto meu, você me encontrará. Espero que eu também lhe encontre no meu email, no meu site, e nos meus endereços nas redes sociais. Feliz por estar com vocês!

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