Por Gustl Rosenkranz
Se tem uma coisa que não gosto é o cinismo com o qual muita gente tenta se isentar da sua responsabilidade social. Vejo ricos, novos ricos e gente de classe média continuando a praticar um regime de quase escravidão, tratando empregados (principalmente os domésticos) como se fossem pessoas de segunda categoria, sem direitos e, pior ainda, sem dignidade humana. Se alguém duvida de que essa mentalidade primitiva é herança dos colonizadores portugueses, que vá a Portugal e veja de perto como até hoje os criados são tratados por lá.
Sim, me incomoda o cinismo, que vivi mais uma vez bem de perto em uma das minhas estadias em Salvador. Fiquei hospedado num hotel em Itapuã. Como não era verão e o carnaval estava muito longe, encontravam-se entre os hóspedes poucos estrangeiros, prevalecendo o turista brasileiro, de classe média alta. Lá também estava uma família do Sudeste do país: pai, mãe, avó e quatro crianças mal-educadas, que corriam e gritavam todos os dias às sete da manhã nos corredores do hotel, acordando a todos, ao ponto de eu um dia levantar mal-humorado, refletindo sobre canibalismo e desejando que Herodes passasse por ali. É claro que essa família havia trazido uma babá, que durante todo o tempo tinha que ficar correndo atrás das crianças, cuidando, tentando educar, desesperando-se. Observei por dias seguidos tal família, ficando horrorizado com a forma como lidavam com a criada, a serviçal, a semi-escrava. Os pais (e também a avó) queriam descansar, o que é compreensivo, pois para isso foram à Bahia. Portanto, as crianças eram encaminhadas para a babá, sempre que queriam algo. Eles nem mesmo respeitavam o direito da babá de ter alguns minutos para comer em paz. Como os encontrava diariamente no café da manhã, vi que a coitada nunca podia tomar o seu desjejum sossegada, sendo constantemente interrompida pelos pais, pelas próprias crianças ou pela vovó preguiçosa, que era incapaz de ir pessoalmente ao quarto buscar algo que ela mesma por negligência havia esquecido. A babá tinha que largar o café na mesa e correr para atender os desejos do senhorio. À noite, o casal saía, a vovó ficava de bate-papo furado na recepção e a empregada, que dormia no mesmo quarto que os quatro monstros em miniatura, cuidava de todo o resto.
Certo dia, fiquei mais tempo sentado no restaurante do hotel, após o café da manhã, assistindo um programa na televisão, que me impressionou pela superficialidade. As pessoas foram-se aos poucos, ficando somente eu, a matriarca, as crianças e naturalmente a babá. Como essa última cuidava dos traquinas, a mãe sentiu-se com certeza entediada, começando uma conversa comigo. Desviei minha atenção do programa de televisão para a senhora, esperançoso de que o conteúdo de tal diálogo seria melhor do que aquele apresentado pela loira televisiva com o seu papagaio sintético esquisito. Infelizmente fui decepcionado, escutando um monte de abobrinhas, presenciando uma ignorância social (e geográfica, pois ela achava que o Ceará teria fronteira com a Bahia) que me meteu medo. A mulher falava mal dos funcionários do hotel (todos preguiçosos e pouco profissionais), da Bahia (que achava um lugar sujo e bagunçado), dos baianos (um povo burro e lento) e de tudo aquilo que não cabia no seu pequeno universo de madame brasileira. Críticas compreensíveis até certo ponto, já que a prestação de serviços na Bahia é algo que realmente deixa muito a desejar, mas incompreensíveis devido ao tom de arrogância com o qual essas palavras foram ditas. A certo ponto, ela parou de criticar os outros, passando a elogiar a si mesma, indo ao cúmulo do cinismo quando disse o quanto ela (como patroa) era uma pessoa boa, tão boa que estava pagando as férias da babá em Salvador.
Fiquei abismado com o que ouvi e ousei-me questionar se as “férias” da babá não seriam na verdade trabalho, mais exatamente um plantão de 24 horas por dia e 7 dias por semana, mas mulher não entendeu (ou não quis entender), apontando para a criada e sugerindo que ela estava muito feliz. Olhei para a babá e vi como a pobre coitada estava “feliz”, catando miolo de pão do chão, que duas meninas capetas continuavam a jogar para cima, sem que ninguém percebesse a indignidade da situação.
Despedi-me e fui embora sem mais comentários, pois tive medo de perder a diplomacia e terminar “rodando a baiana”, dando a ela motivos para supor que o baiano, além de “preguiçoso, lento e burro”, seria também grosso.
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