A partir de agora, decreto férias de mim. Talvez estas sejam na verdade as minhas primeiras férias, ou melhor, uma carta de demissão: dos meus medos e cansaços, dos meus labirintos. Decidi ir pra longe dos meus habituais enganos, das minhas falas decoradas, das minhas previsíveis ruas-sem-saída. Vou deixar em minha mesa todos os apegos e irei para o lado contrário das mágoas; ainda que na contramão. Vou para bem distante das minhas já manjadas muletas e reações alérgicas emocionais; da minha (própria) cara de reprovação. Viajarei mesmo pra longe; para o lado de mim que pouco lembrava e que senti por tanto tempo saudades. Vou levar o coração pra tomar sol, abrir janela para arejar certezas, vou arranjar um romance ardente comigo mesmo.

Sairei para saber o que deixei pra lá, aceitarei convites e atenderei a convocação dos meus amanhãs. E chegando lá, vou fazer minha programação: acordar bem cedinho para as verdades, alimentando-me de levezas e boa companhia, seja a dos passarinhos ou de mim mesmo. Vou fazer passeios por lugares esquecidos de dentro; só pretendo não passear pelos museus. Vou visitar sonhos novos em folha que esqueci amarrotados entre os dias por me ocupar demais. E dessa vez não vou economizar. Vou me gastar e me desgastar até me ganhar mais uma vez. Não posso mais me poupar de tanto que me poupei, nem represar futuros que me pertencem. Daqui em diante, só vou assumir aquilo que fizer parte do meu show. O que não fizer, deixarei para sempre dentro do almoxarifado. Não posso ficar sentado fazendo hora-extra para as tristezas, aceitando o peso da rotina, engolindo sapos, deixando a preguiça e o desencanto cuidarem do meu expediente. Não vou mais me permitir clausuras que um dia voluntariamente me permiti entrar. Vou reaprender novos e velhos oficios da Alma, redescobrir levezas, gostar de mim, ser sereno num despretensioso hoje. E o que não puder reciclar, reinvento. Porque não mais aceitarei o assédio moral das minhas sombras, das minhas covardias e inseguranças. Vou tomar café quentinho com o meu lado criativo e esperançoso. Vou promover o meu amor-próprio. Vou admitir o meu perdão. E qualquer coisa, podem me ligar, convocar-me de volta por fax, e-mail, cartinha. Somente irei responder às minhas verdades. Só vou atender aos compromissos que me interessam. Fui ser feliz, e quem sabe, não volte mais…

Guilherme Antunes é amante das palavras, da filosofia e dos temas da Alma. Sinestésico e musical, buscador, contraditório, intenso, vasto. Sommelier de groselha, servidor público, poeta e farsante. Ele é aquilo que ninguém vê.

Publicação autorizada pelo autor.
Para mais informações sobre o escritor e seus trabalhos:
http://arkhipelago.blogspot.com.br/

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