Vendo Toquinho contar como Vinícius, aos prantos, compôs “O filho que eu quero ter”, penso no quanto falar de filhos emociona. Parte da gente. Depositário de sonhos e esperanças…
Como agora quando choro ao pensar de todos os filhos contidos num só: o cisco de gente que pela primeira vez vem da maternidade num desajeito de não saber o quê, de perguntar cadê a bula. Da coisinha frágil que intui amparo e então amedronta em choro poderoso. E chora… O bebê que começa a enxergar o mundo de frente, se equilibrando em duas pernas, e ri e chora e arrisca. E cai… A criança que começa a descobrir o mundo nos seus porquês, e adoece, e se inquieta e se alegra e emburra. E brinca… O ser que se percebe voluntarioso e já não aceita carinhos e mimos e quer ser grande e joga bola e escreve diário e tem amor secreto e idealiza esse mundo dos grandes. E sonha… O adolescente inconformado que tenta se impor e busca uma e curte um som e argumenta e justifica e à flor da pele e interroga e se interroga. E sofre… O jovem que busca um caminho e acerta e erra e namora e viaja e engaja e ama e é visceral e agita e pulsa. E vive… O adulto que traça o rumo e tem carreira e tem amor e tem um filho… E entende tudo! E ama… E segue o ciclo…
Preciosos os filhos. Como preciosos – e tão – são os filhos que em qualquer desses pontos/encruzilhadas se perdem ou são perdidos. A quem não tem filhos, os tenha. De feto, de fato, de fé ou de coração. Seja saído de um ventre ou gerado em uma bela adoção. Seja na hora que for ou hora inventada, que tiver que ser, os tenha, os venha. Muito além da perpetuação dos genes, o seguir das coisas d’alma. A transferência de crenças, certezas, experiências. Mudança de perspectiva, de foco. Mesmo com brigas. Mesmo o desgaste.
Quando Mário Prata diz que filho é bom mais dura muito… quase, cansaço à parte, concordamos. Mas com sorriso doce lá no fundo admitimos: Talvez dure. E ainda bem que dura. Dizem por aí que, quando são bebês, sentimos vontade de ‘morder’ nossos filhos de tão gostosos; na adolescência nos perguntamos: ‘Porque não comemos?’ Crises, muitas. É difícil, é… É doação, é… É bom, é… É caminho sem volta. Pode-se perder um filho na estrada, mas jamais se deixa de ser mãe. Tanto que é tamanho o sofrimento quando Chico (ou Zizi Possi em gravação emocionada) cantam “Pedaço de mim”. Dói ouvir. Como dói a antecipação da perda ou a sequer suposição da perda, ou pior de tudo o medo inerente aos pais.
Certa vez ouvi dizer que mãe já nasce culpada – e fato é que tudo lhes recai. Digo que mãe já nasce com medo. Há um objeto de zelo e um mundo a mostrar garras e agruras. Como manter na redoma quem num dado momento ganha asas e quer ganhar tal mundo e até tais agruras. Experimentar a dor de espectador impassível do filho que sofre. Continuar a existência para além do filho que vai tão cedo. Anexar ao nome do filho o adjetivo ‘desaparecido’. Amar o filho que ‘`a margem’, que não se enquadra, que faz sofrer, que falha. Amar apesar. Cuidar quando precisa de muito cuidado. Ter cuidado. Não cansar quando tudo é só cuidado. E só. Banquetear-se de migalhas. (Às vezes um copo d’água pedido no meio da noite, ou um sanduíche que podemos prontamente oferecer na hora que coincide da fome apertar nos poucos momentos em casa, é o que nos resta.)
Tudo são dores demais, dores de mães, bênçãos de vida. Pois que hão de senti-las quem amou também demais, num amor que não se encerra em si. Não pede troca, não requer troco. Que se basta na lembrança do calor de um bebe um dia aconchegado no peito. Transbordamento de amor. Quem sentiu isso, sentiu tudo. O que vier para além é lucro, e dos bons.
Que dores, que nada. Os filhos são feitos da matéria das delícias…
(com a devida licença shakespeareana)
Imagem de capa: pixelheadphoto digitalskillet/shutterstock
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