Francisco Brennand fala sobre o sentido da vida (Imperdível)

Não foi por um acaso que eu e minha amiga Vanessa resolvemos usar uma das manhãs de nossas férias para visitar a oficina do escultor e artista plástico pernambucano Francisco Brennand.

Não fosse pela sugestão dela, contudo, eu teria ficado a ver o mar e jamais passaria um dos momentos mais prazerosos da minha viagem – eu planejava ir correr na praia, mas tive medo de ela ir, ser muito legal, e eu ficar de fora.

O artista não só estava na oficina (depois soubemos que ele costuma por lá estar), como, do alto dos seus respeitosos 86 anos e inúmeras obras espalhadas pelo Recife, Brasil e mundo, falou com a gente sobre o sentido da vida. E enquanto ele respondia a pergunta, a Vanessa aproveitou para gravar um vídeo (veja o vídeo e leia a transcrição no texto abaixo).

“Foi por um acaso”, começou Brennand, “ontem, lendo um escritor e poeta excelente aqui de Recife, chamado Marcus Accioly, ele estava exatamente falando sobre isso.”

Abriu seu caderno de anotações (ele havia nos convidado para conversar em sua sala):

“Eu anotei aqui, pelo menos começar a quinta-feira com alguma coisa que denote inteligência. Lendo o artigo de Marcus Accioly, quando ele nos adverte: ‘para curtir o outro mundo não é preciso esperar muito’. Isso ele queria certamente se referir à morte, depois ele cita Goethe: ‘nós fomos feitos para viver a vida, não para entendê-la.”

E após a citação, concluiu: “dá certinho para o que você está perguntando, mas não é uma frase minha. Mas nós não precisamos descobrir frase nenhuma quando alguém já disse uma coisa excelente como essa. Nós não precisamos entender a vida, fomos feito para viver a vida, não para entendê-la”.

Se foi coincidência ou não, só Deus para saber. Aliás, foi o universo que conspirou ao nosso favor. Ou eu estava apenas no lugar certo, na hora certa?

Na opinião de Brennand, parecia ser de tudo um pouco. Nos aproximadamente 30 minutos que falou com a gente, disse acreditar em Deus, falou da necessidade de nos conciliarmos com o universo, mas acrescentou que, com a idade que chegou, conforta-se em dizer: “a vida é um mistério.”

O artista completava uma ideia atrás da outra, com a serenidade e experiência de quem já tem as respostas para todas as suas questões. Dessa forma,  resolvi transcrever a entrevista tal como foi feita: só com ele falando. Seguem os trechos:

Fórmulas
-Não há nada mais estranho do que uma pessoa dizer que tem uma fórmula qualquer a respeito da vida, ou dizer que tem razão em alguma coisa. É muito mais certo você viver a vida e se conciliar com os astros, o universo. Porque não há diferença nenhuma, todo ser vivo é igual, você olhando uma foca, um animal, um pinguim, uma ave, um cavalo, um boi, ser humano, ou uma bactéria, um vírus. São seres vivos, vegetais, etc. Animados ou inanimados.

Deus
-Mesmo os minerais têm uma historia a contar. Você diz, são rochas inertes. Mas a composição delas tem compostos que existem na nossa composição corpórea. O homem não é estranho nem ao planeta nem tampouco ao universo. Somos feitos do mesmo material das estrelas, portanto, não estamos sós. Esse é o nosso grande espírito, o nosso grande legado, porque nós pertencemos ao universo, e o universo é o enigma, e o enigma é Deus.

O senhor é religioso?
– É uma coisa tão ridícula não acreditar em Deus. Como não acreditar em Deus se a própria natureza, o próprio ser humano, a própria vida…  O mistério da vida, da existência, da fala, o silêncio. Os bichos não falam, matam-se entre si. Mas o bicho mata e esquece. Não existe crime. Ele mata para comer. Para sobreviver. Nós matamos para comer e para sobreviver. E alegremente. Na hora do almoço quando chega um bom pedaço de carne, quem está se lembrando que aquele bichinho foi assassinado, em proveito da nossa alimentação? E a vida, a palavra certa, com a idade que cheguei, e isso me conforta, com a idade que eu cheguei, é dizer: é um mistério, é um enigma, e os mistérios são irreconhecíveis, não há como descobrir, se não, não haveria mistério.

Felicidade
– Felicidade é simplesmente viver, com todos os atrapalhos que a gente tem. E encontrar dificuldade, não há como evitá-las. E todo o tipo você encontra. Mas isso não quer dizer que seja infelicidade. As doenças são outros tantos mistérios, porque nós adoecemos de doenças que são ligadas também à natureza. Ou seja, para que haja uma doença, tem que haver uma degenerescência qualquer onde há entrada de vírus ou bactérias comuns na natureza, com as quais convivemos e elas estão ali no seu papel, no seu local.

Excessos
– Outro dia vi na televisão que a mão deve ser lavada, como higiene. Quantas vezes você puder. Mas tome cuidado, o excesso também é prejudicial. Se lavar excessivamente, você prejudica seu cabelo, prejudica sua pele. Existe na nossa pele elementos que são vitais, que são fabricados pelo próprio corpo. Se você mete sabão em cima, você arranca com esses elementos. Você usa shampoo demais no seu cabelo, você destrói o seu cabelo. A mulher brasileira toma banho demais, por isso esta faltando água em São Paulo!

Inteligência humana
– É muita estranha a vida, e sem querer nós homens, como somos dotados de uma extrema habilidade e uma versatilidade muito grande através da inteligência, da memória, a gente tem facilitado a nossa vida. Essas descobertas são todas notáveis, mas muitas vezes, nós sabemos que tem o aquecimento global, não é invenção de cientista, cientista não tem razão nenhuma para mentir, que um politico minta, mas um cientista, com que finalidade? A não ser que ele esteja feliz com o governo.

Gabriel Garcia Márquez
– Além de dizer a frase de Goethe, Accioly aproveita o Gabriel Garcia Marquez. E ele diz, o Gabriel Garcia Márquez, já que o outro diz que a vida é para ser vivida, para vive-la,. Vivê-la para contá-la. (…) Não é uma maravilha? Porque todos esperam que a gente conte. Porque as pessoas que não pintam estão esperando ver pintura. Todos são pintores também, apenas não pintam, mas querem ver pintura, e por isso pintor pinta. Não é que ele seja melhor, ele é apenas o veículo daquilo que todos estão esperando ver.

Juventude
– Todo jovem quer viver da mágica, da palavra. Todo jovem acha que representa, vocês representam a novidade. A nova geração. E vocês são a eternidade. Porque vocês se acham eternos. Eu já fui eterno, hoje não penso que sou eterno, mas já fui eterno e compreendo aqueles que acham que são eternos. Compreendo aqueles que por serem muito jovem sempre acham que estão com a razão e que a geração de vocês tem sempre razão. Porque os novos tem sempre que ter essa razão para que haja  um impulso para que a vida seja mais confortável através do pensamento. Você não pode pensar que está vindo errado, não há esse caminho.

Velhice
Há muitos anos atrás existia uma música que dizia: desconfie dos homens de mais de 30 anos. Passou os 30 já é para desconfiar. Não é que a pessoa ficasse velha, mas é que a velhice pode se transformar em velhacaria, o que é uma coisa perigosa. Você pode envelhecer e simplesmente ser um velho, mas pode ser um velhaco também, usar a velhice para enganar os outros.

Frase em um dos muros da Oficina Brennand, no Recife

O senhor não pensa que é eterno, por conta de sua obra?
Eu vou dizer o seguinte, eu já acreditei que fosse assim, eu acho que o tempo não vai fazer justiça a ninguém, tudo é uma questão de casualidade. A permanência da obra de um artista é sempre uma incógnita,
E depois de dar todas suas respostas antes de eu conseguir fazer qualquer pergunta sobre a vida, esse simpático senhor de longas barbas brancas, uma fala sincera e sotaque pernambucano, conclui:

“Espero que, em vez de ter-lhe confundido, eu tenha contribuído com alguma coisa, porque eu  falei tanto e posso não ter dito nada.”

Sem mais, caro leitor.

Conheça mais sobre o artista em http://www.brennand.com.br/

Gabriela Gasparin

Jornalista, blogueira e escritora. Em 2013 criou o blog www.vidaria.com.br, onde publica depoimentos sobre o sentido da vida. O trabalho resultou no livro “Vidaria, uma coletânea de sentidos da vida”, à venda no site www.autografia.com.br.

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