O plano era redondo. Escrever sobre o carnaval e publicar em pleno carnaval. Oportuno e conectado com o momento. Comecei a pesquisa e veio o desânimo. Não pela falta, sim pelo excesso de informações.
Mas segui na luta e fiquei sabendo que na origem o carnaval se chamava entrudo. Festa trazida pelos colonizadores que ao bater na nossa terra se dividiu entre as versões familiar e popular. Dá para imaginar que a primeira era comportada, já a segunda flertava com a irreverência e o ritmo africano.
O entrudo popular foi abraçado, transformado, condimentado pelos escravos. Antecipando os versos de João da Baiana, popularizada na voz de Martinho da Vila, Batuque na cozinha / Sinhá não quer / Por causa do batuque / Eu queimei meu pé.
Continuei a investigação. Nadei nas águas foliãs dos cordões, ranchos, blocos, corsos, escolas de samba. Também nos bem mais recentes trios elétricos, sambódromos, globelezas. Fui a campo conferir o bebê da folia: o carnaval da Vila Madalena, em Sampa.
Ele não tem samba, tamborim, cuíca, pierrô, colombina. Tem canções de Rita Lee, Cazuza, Caetano, Mamonas Assassinas. Tem funk, cerveja, gatorade, pets. Também li matérias apontando que carnaval não é mais sinônimo de samba, marchinha, frevo, axé music.
Carnaval é hoje o que cada um disser que é carnaval. Daí, lembrei do Mário de Andrade (1893-1945) explicando que Conto é tudo o que o autor chamar de conto. Ao que acrescento: Crônica é tudo que o leitor chamar de crônica.
Nessa altura da pesquisa, perdi o foco e quase desisti de escrever sobre a folia na véspera da folia. Afinal há multidão de opiniões mais interessantes e balizadas do que a minha. Foi então que me deparei com uma foto, publicada no jornal O Globo, flagrando um passista da Mocidade Independente de Padre Miguel voando em pleno asfalto.
A data: carnaval de 1965, quando dos 400 anos da cidade maravilhosa. Extasiei, pois lembrei que, de mãos dadas com meu pai, assisti ao carnaval do Quarto Centenário na avenida Presidente Vargas. Recordei do meu maravilhamento. Compreendi meu desconcerto com carnaval sem samba no pé, sem bateria, sem maioria negra.
É direito de cada cidade ou bloco inventar a sua folia. Aliás a novidade de hoje pode ser a tradição de amanhã. Mas o meu afeto carnavalesco ficou preso nas asas daquele jovem negro voando na avenida.
Imagem de capa- meramente ilustrativa- é de CARLOS CHICARINO/AGÊNCIA ESTADO (Folião no desfile da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis. Rio de Janeiro, 1978.)
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