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Ganha mais da vida quem não perde a fé no sonho

Lá vai alguém que sonha. Vai pisando seus medos, sofrendo sua ansiedade. Para, respira, sente fome, perde o apetite, foge de sabe-se lá o quê, senta na grama, levanta, dorme, acorda, cantarola, chora. Lá vai alguém que sonha seu caminho leve, procura o sol entre uma sombra e outra e sofre o peso de cada passo, desvia de buracos, armadilhas, arapucas, alçapões. Lá vai alguém que sonha.

Vai em cima da hora, acelera na estrada à tardinha. Anda só na companhia de alguém que sangra, que parte e que há de voltar. Segue adiante. Erra o caminho, perde entradas, ignora saídas. Diminui o passo quando vê um obstáculo, passa devagar, olha ao redor. Acelera quando sente perigo. Foge, segue em frente.

Lá vão seus pequenos sonhos de grandeza. Suas manias e obsessões e seus medos insuportáveis, sua solidão dolorosa. Lá vai seu olhar passeando os caminhos de gente desconhecida, suspeitando amor em cantos esquecidos onde a vassoura não entra. Vai alguém ali, esperando em seu desespero, escorregando entre o barulho vazio de seus dias e o silêncio rumoroso de suas noites.

Entre os que se entrincheiram à esquerda e à direita, ignorando o quanto estamos todos na mesma linha de tiro, no meio e no alvo da bomba, vai alguém em sua perplexidade, sonhando histórias simples de amor e saudade. Lá vai uma pessoa a quem brilhantes pensadores político-filosóficos classificariam como ingênua ou demagoga porque ainda se compadece de quem tem fome, na África ou na esquina.

Vai ali alguém em sua alegria triste, seu riso chorado, seus cabelos em desalinho e seus desvios impecáveis. Lá vai alguém achando que vai mudar o mundo, sim. Devagar, no ritmo lento e teimoso de seus passos, mas vai, ah, vai.

Em sua arte de atravessar a rua na frente dos carros apressados e forçá-los a pisar no freio, vai alguém que sofre e chora sua raiva e seu desencanto porque sonha. E quem sonha leva ao passeio um cachorro livre que não aceita sua coleira, escapa ligeiro por debaixo do portão e lhe morde a cara com força e sem remorso se o ameaçam em sua liberdade.

Caminhando apressado para longe dos malditos idiotas e sua sanha raivosa de tudo nivelar por baixo, vai alguém em seu olhar perdido. Vai acreditando que a vida podia, talvez nunca seja, mas bem podia ser tão simples quanto um pente que lhe falta entre as tesouras e toalhas e cortadores de unha da casa.

Pelas calçadas onde bate o sol, lá vai alguém que sou eu e é você e somos nós e os nossos sonhos. Alguém que fala tanto de amor porque o amor lhe falta e lhe dói. Assim, caminhando pela vida de seu jeito, em seu susto, de sua sorte, lá vai alguém que sonha.
Fim da conversa no bate-papo.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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