Fabíola Simões

A gente precisa de poesia dentro da gente

Eu tinha sete anos quando a princesa Diana se casou com o príncipe Charles. Me lembro vagamente daquela manhã, mas me recordo do burburinho que se seguiu, da repetição da cerimônia nos jornais da noite, do tempo em que essa aura de encantamento invadiu aqueles dias. Passados trinta e sete anos, no último sábado, o príncipe Harry se casou com a plebeia Meghan, e os olhares do mundo se voltaram novamente para a Inglaterra, provando mais uma vez que, ainda que falte grana e esperança, roupa nova e sapato bacana, a gente quer se encantar. A gente quer sentir aquele sopro de ilusão e fantasia que nos diz que a vida pode não ser perfeita, mas ainda assim tem a possibilidade de nos seduzir.

Que me perdoem os céticos e descrentes, mas a gente precisa de poesia dentro da gente. A gente precisa de instantes em que uma música, um filme, um livro interessante ou um casamento real nos afastem dos problemas diários e nos iludam momentaneamente. A gente precisa de trégua das notícias ruins, do stress cotidiano, da falta de roupa combinando, da conta do fim do mês não fechando. E, no meio disso tudo, a gente descobre que aqueles que aprendem a se encantar sobrevivem mais facilmente.

Apesar de ser da geração que cresceu acompanhando o JN e Fantástico, há um bom tempo não assisto mais a tevê convencional. Substituí as notícias sangrentas e o bate-boca da política pelo Netflix e vídeos do YouTube. Acompanho alguma manchete pela internet, mas descobri que preciso me refugiar naquilo que faz meu pensamento desacelerar. Pode parecer futilidade, infantilidade, falta de maturidade. Mas eu entendo diferente. Eu entendo que a alma precisa ser alimentada com algumas frivolidades que a façam suspirar, dançar de olhos fechados e se distanciar do caos exterior. A alma precisa de distrações que a façam acreditar que o mundo não é um lugar somente frio e inóspito, mas pode ser também divertido, acolhedor e muito amoroso.

Dizem que podemos mudar nossa biologia de acordo com aquilo que pensamos e sentimos. Quando estamos apaixonados, uma luz se acende em nosso interior e podemos sentir a euforia “na pele”. Do mesmo modo, quando nos deixamos encantar ou autorizamos que a poesia da vida faça morada em nossa alma, liberamos um fluxo de emoções que nos fortalece, anima e até cura. As notícias ruins, por sua vez, liberam um fluxo de negatividade e stress que deprime, envelhece e adoece. É por isso que não abro todas as mensagens no whatsapp. Por isso que não leio todas as notícias sobre política. Por isso que não participo de bate bocas nas redes sociais ou nas mesas de bar. E é por isso também que passei a manhã toda do último sábado assistindo ao casamento real. Porque sei que minha alma suspira com a delicadeza, com o bom gosto, com a harmonia de cores, sons e perfumes que eu não sinto, mas posso imaginar.

Muito se discutiu sobre a escolha de Meghan. Disseram que uma feminista como ela não deveria trocar sua liberdade pelo sonho de princesa. Mas quem disse que ela não será feliz? Quem disse que uma feminista não pode também desejar poesia em sua vida? Quem disse que sua alma não poderia almejar beleza, amor, requinte e bom gosto? Quem disse que tudo isso não está fazendo um bem danado à ela?

Temos um mundo de escolhas à nossa frente todos os dias. Podemos escolher nos habitar com programações mentais negativas, medos, pessimismo, desconfiança, incredulidade, derrotismo e negativismo; ou podemos dar a mão à doçura, ao encantamento, à fé, à esperança, à confiança, à beleza e ao amor. Podemos decidir acolher a feiura ou a beleza nas notícias que assistimos, nas mensagens que compartilhamos, nas músicas que ouvimos e cantamos, nas ideias que memorizamos. Repetimos para nós mesmos o melhor e o pior da existência, mas talvez seja hora de começar a escolher aquilo que apazigua nosso coração e sossega nossa mente.

A enfermidade vem da incapacidade de não vigiarmos nossas emoções. De permitirmos que qualquer coisinha fora do lugar afete nosso equilíbrio. De sermos muito duros e exigentes com nós mesmos. De almejarmos a perfeição. De nos culparmos excessivamente. De não nos protegermos de pessoas negativas ao nosso redor. De liberarmos espaço para entretenimento ruim. De nos envolvermos excessivamente com a dor. E, finalmente, da incapacidade de nos encantarmos com a vida.

A gente precisa aprender a se encantar com a vida. Borrifar perfume nos pulsos e agradar o nosso paladar. Descobrir aquilo que alimenta a alma e faz o olho brilhar. Investir tempo e energia em música, dança e poesia. Conseguir extrair beleza da simplicidade e aprender a rir de qualquer bobagem. Apostar naquilo que nos faz sorrir silenciosamente, no que nos traz alívio e conforto, no que nos anima instantaneamente. Exercitar o deslumbramento e a capacidade de nos deixar cativar. E, enfim, restaurados pelo maravilhamento, deixar de lado a armadura que nos blinda do mundo e conseguir aceitar que a vida também é feita de momentos lúdicos, de casamentos de príncipes e plebeias que nos distraem de nossa própria existência, de alegrias silenciosas quando alguém nos elogia, de pensamentos bobos que invadem nossa memória, de melodias cativantes que resgatam nossa história.

Somos os responsáveis por nos dar alegria. Somos os responsáveis por fazer da nossa alma, POESIA.

***

Imagem de capa: Reprodução via Google

Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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