Marcel Camargo

A gente sobrevive, sim, mas nem sempre volta a ser inteiro

Apenas sobreviveremos nesse mundo caótico e violento de hoje, caso consigamos manter a fé e a esperança de que dias melhores virão, de que ainda é possível confiar nos seres humanos. Mesmo assim, existem momentos tão devastadores na vida da gente, que nos machucam fundo na alma, tornando-nos mais fortes, porém menos inteiros.

Às vezes, a vida nos tira o que ou quem temos de mais precioso, trazendo-nos uma perda por demais dolorosa e pungente e cujas marcas estarão impressas em nossa alma enquanto vivermos. Poderemos até voltar a sorrir, a sonhar, a ser alguém que segue em frente, mas a carga das cicatrizes enraizadas estará ali, silenciosamente nos cutucando por dentro, não o tempo todo, mas sempre presente.

A saudade de um filho que partiu, o sofrimento de um ente querido que agoniza, a perda de tudo o que foi conquistado, às duras penas, por conta de fenômenos naturais, um evento que deforma e mutila, um desemprego que perdura por anos a fio, uma traição descomunal de um amor, de um amigo, de um sócio, por exemplo, aniquilam nossa autoestima, devastam nosso emocional, deixando marcas indeléveis.

O pior disso tudo é que hoje se cobra muito uma felicidade explícita, um sorriso frequente, como se fôssemos obrigados a estar bem o tempo todo. Logicamente, não poderemos nos abrir sempre e para quem quer que seja pois, a maioria das pessoas nos pergunta como estamos por mera formalidade, porém, forçar um estado de espírito que não condiz com o que realmente estamos sentindo nos faz muito mal.

Daí a necessidade de construirmos um relacionamento sincero e saudável com as pessoas que nos são caras, pois as lembranças felizes e especiais nos servirão como alento e motivação para que retomemos as forças, no sentido de continuarmos a acordar com o propósito de buscar a felicidade, ainda que sigamos incompletos. Se nada será como antes, pelo menos aquela parte de nós que sobreviveu terá a certeza de que o amor verdadeiro é mais forte do que tudo, protegendo-nos contra a demora exagerada nas escuridões de nossa alma.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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