O escritor inglês Eric Arthur Blair, mais conhecido por seu pseudônimo George Orwell, costuma ser lembrado pela autoria dos livros clássicos 1984 e A Revolução Dos Bichos, mas ele também é um formidável ensaísta.
Entre os seus melhores ensaios, está Why I Write (‘Por Que Escrevo’), escrito em 1946, que contém visões realistas e atemporais sobre a arte de escrever. Neste ensaio, Orwell comenta sobre particularidades e experiências de sua infância e adolescência, e seu papel para se envolver com a arte da escrita.
Desde muito cedo, Orwell estava decidido que tornar-se-ia um escritor, pois sempre soube que tinha facilidade com as palavras.
Ele escreveu seu primeiro poema com quatro ou cinco anos de idade, sobre um tigre chamado Blake. Já aos 11 anos ele colaborava na redação do jornal de sua escola.
Suas contribuições para a literatura foram precoces, mas, somente mais tarde, aos 30, ele se voltaria para a prosa literária.
No ensaio, o autor conta como sua infância foi solitária. Ele vivia em um ambiente distante e pouco acolhedor; passava seus dias lendo histórias e conversando com amigos imaginários.
Ao imergir na literatura, Orwell imaginou um mundo particular onde poderia superar o fracasso de sua vida cotidiana. Suas ambições literárias misturavam-se com sensações prementes de isolamento e desvalorização, e então ele se voltava para a escrita a fim de apaziguar esses tormentos.
Apesar das dificuldades que viveu em um passado longínquo, Orwell não abandonou a visão de mundo que adquiriu na infância. Na verdade, ele não tentava suprimir essa parte difícil de sua vida, pois sabia que isso também havia moldado sua personalidade de escrita. Se tentasse ignorar essas lembranças, ele estaria se iludindo. Segundo o autor, “a ilusão pode tornar-se uma meia verdade, e uma máscara pode alterar a expressão de uma cara.”
De acordo com Orwell, o trabalho de um escritor serve, primeiro, para disciplinar seu próprio temperamento. Caso um escritor escape de suas maiores influências, ele terá matado seu impulso de escrever.
Em Why I Write, Orwell propaga uma opinião polêmica sobre a persona dos escritores, em geral. Pode parecer absurdo ou exagerado, mas, segundo ele:
“Todos os escritores são vaidosos, egoístas e preguiçosos. Na parte inferior de seus motivos, reside aí um mistério. Escrever um livro é uma luta desgastante, como passar por um longo surto de alguma doença dolorosa. Escritores nunca poderão escrever um livro se não forem conduzidos por algum tipo de demônio, sobre o qual possam resistir ou entender. Também é verdade para escritores que não possam escrever nada legível a menos que constantemente se esforcem para nublar a própria personalidade. Boa prosa é como uma vidraça.”
Através desse olhar circunspecto e até pejorativo sobre a natureza do trabalho de um escritor, Orwell motivava-se de um certo sentimento de aversão e cinismo para com a profissão que o popularizou.
“Quando eu me sento para escrever um livro, eu não digo a mim mesmo que vou produzir uma obra de arte. Eu escrevo porque há alguma mentira que eu quero expor, algum fato para o qual quero chamar atenção, e minha preocupação inicial é conseguir uma audiência.”
No ensaio Why I Write, o autor inglês afirma, contrariando sua percepção negativista, que a escrita não é um negócio sério, mas sim uma alegria e celebração. Orwell acreditava ser errôneo considerar a escrita somente como um trabalho. É, além do mais, uma terapia e atividade lúdica à mente.
O autor inglês também lembra que escritores devem pagar um tributo a si mesmos e lutar contra seus próprios demônios internos, a fim de criar algo que possa ter algum sentido.
Até hoje Orwell é considerado, pela crítica e pelos leitores em geral, um autor bastante politizado. Em suas obras, ele buscou transformar a escrita política em arte. Seu ponto de partida foi um sentimento de partidarismo combinado com um forte senso de injustiça.
Em Why I Write, George Orwell conta alguns pequenos detalhes sobre sua infância idílica – a ausência do pai, bullying e intimidação na escola, e uma profunda sensação de solidão – e disserta sobre como essas experiências conduziram-no para a escrita, propondo que traumas como esses são essenciais para formar a personalidade artística de um escritor.
Orwell oferece essas informações como pano de fundo, porque ele não achava que fosse possível avaliar os motivos de um escritor sem saber algo de seu desenvolvimento inicial.
“Deixando de lado a necessidade de ganhar a vida, eu acho que há quatro grandes motivos para escrever. Eles existem em diferentes graus em cada escritor, e estas proporções podem variar de tempos em tempos, de acordo com o ambiente em que vivem.”
Segundo Orwell, os quatro motivos universais para escrever, os quais extrapolam praticamente qualquer domínio de uma produção textual criativa, são os seguintes:
Para Orwell, todos os escritores são fortemente impelidos por seus egos. O desejo de parecer inteligente, explorar a vaidade, buscar a fama, de ser lembrado após a morte, e de dar as costas àqueles que o desprezaram na infância. É equivocado pretender que o egoísmo não é um motivo, mas, na visão de Orwell, é sim.
A grande massa dos seres humanos não é agudamente egoísta. Em certa altura da vida, a maioria das pessoas abandona um senso de individualismo, e vive principalmente para os outros. Para Orwell, há também a minoria das pessoas talentosas e intencionais que estão determinadas a viver suas próprias vidas até o fim, e os escritores pertencem a esta classe.
Orwell acreditava que os escritores sérios são, em geral, mais vaidosos e egocêntricos do que jornalistas, embora menos interessados em dinheiro.
De acordo com Orwell, escritores escrevem com um senso estético sobre qualquer coisa que os atraia. São sensíveis para perceber a beleza no mundo externo, ou, por outro lado, nas palavras e seu arranjo correto. O prazer no impacto de um som ao outro, na firmeza da boa prosa ou no ritmo de uma história. Segundo ele, o desejo de compartilhar experiências que se sente é valioso, e não deve ser desperdiçado.
O motivo do entusiasmo estético é muito comum em um monte de escritores. Para o autor, “nenhum livro é livre de considerações estéticas”.
Na visão do autor, os escritores, em geral, têm o desejo de ver as coisas como elas são, de descobrir fatos verdadeiros e armazená-los para o uso da posteridade.
Orwell acreditava firmemente que todos os escritores são intrinsecamente motivados por questões políticas. Aqui, ele usa a palavra “política” no sentido mais amplo possível. O desejo de empurrar o mundo em uma certa direção, de alterar a ideia do tipo de sociedade.
Para ele, nenhum livro é genuinamente livre de vieses políticos, e a opinião de que a arte deve ter nada a ver com política é, em si, uma atitude política.
Todos os fatores acima mencionados por George Orwell realmente motivam escritores a produzir seus textos, e não deixam de ser, de certa forma, pressupostos concretos do processo de escrita.
Orwell sugeriu que escritores têm uma vontade de ego forte, são vaidosos e têm a capacidade de persistir e estabelecer-se em seu ofício, se realmente agirem da forma como acreditam ser (primeiro motivo). Escritores trabalham sob um senso estético, pois se preocupam com a forma como um texto é apresentado, e compreendem que a disposição das ideias é tão importante quanto o que elas significam na prática (segundo motivo). Todos os escritores precisam ter alguns conhecimentos históricos a fim de orientar aquilo que escrevem e, como inspiração, devem se basear em histórias, fatos e personalidades do passado (terceiro motivo). E os escritores, sem exceção, têm inclinações políticas que influenciam em sua maneira de pensar e escrever, ou seja, os escritores não podem ser de todo imparciais em se tratando de ideologia política (quarto motivo).
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