Por Marcela Picanço

Existe um texto que está circulando pela internet há um tempo, afirmando que a geração y é uma geração frustrada. Eu poderia concordar com o texto todo, inclusive com suas teorias de gerações e o fato de que a geração Y se acha especial. Mas gostaria de ir mais fundo nessa história.

Afinal, por que a maioria das pessoas de uma geração se acharia especial? O texto afirma que os jovens de hoje não vão em busca do que querem porque estão esperando o mundo descobrir como eles são geniais. Eu tenho uma teoria um pouquinho diferente sobre nossas expectativas e frustrações. Primeiro de tudo: sempre suspeito quando colocam características psicológicas em uma geração. Na verdade, a geração Y não nasceu espertinha, multifuncional e antenada com o mundo. A nossa geração foi obrigada a se transformar assim aos poucos, por causa de todos esses novos recursos tecnológicos e de comunicação que surgiram na última década e continuam aparecendo. Na realidade, o mercado foi quem mudou completamente de cenário e, se você não seguir o que ele pede, não preciso nem dizer que você está fora dele. Pelo menos fora do mundo dos terninhos e ar condicionado.

Afirmam que nós somos jovens que conseguem lidar com um monte de coisas ao mesmo tempo e que gostaríamos de trabalhar com o que gostamos o tempo inteiro. Óbvio, quem não? Eu adoraria ficar escrevendo e atuando para sempre, mas as coisas não funcionam assim. Primeiro de tudo, a maioria de nós é medíocre. A única de diferença entre um bom e um mau profissional é que o bom profissional se dedica e corre atrás do que quer, ralando muito, fazendo 50 vezes de novo. Mas o mundo, a mídia, os bobos e nossos pais querem nos convencer de que somos todos especiais. Mas sinto informar que não somos. Continuamos inseguros e inquietos, como sempre.

A questão é que, com toda essa bagunça de categorizar gerações, fizeram-nos acreditar que trabalho prazeroso é o mesmo que estar de férias, mas isso não é verdade. O grande filósofo Confúcio afirmou: “trabalhe com algo de que você goste e nunca mais precisará trabalhar na sua vida” – mal sabia que estava falando uma das maiores bobagens do século, porque, mesmo trabalhando com algo que ame, alguns dias você vai querer ficar dormindo um pouco mais, ou ir à praia, ou viajar para uma cidade de interior para ficar quietinho, mas você não vai poder. Porque é trabalho e, para você ser bem sucedido no trabalho, é preciso, em primeiro lugar, trabalhar. É claro que trabalhar com algo que nos dê prazer é uma experiência incrível, mas é muita ingenuidade achar que isso não dependerá de esforço. Dá até muito mais trabalho, mas a diferença é que o esforço é muito bem recompensado. E você se sente vivo e sente que realmente faz parte de alguma coisa, que, naquele momento da recompensa, você não precisa de mais nada.

O problema é que a gente, principalmente o pessoal do meio artístico, muitas vezes trabalha muito mais e por muito menos, por querer se inserir nesse meio e para conseguir trabalhar com o que quer. Somos enganados o tempo inteiro e trabalhamos de graça, esforçamo-nos muito mais e, sim, somos obrigados a lidar com multitarefas, porque quem consegue fazer isso é mais legal. Só que se esqueceram de nos contar que demitiram cinco pessoas, para contratar apenas uma, por um preço muito, mas muito menor, para fazer o trabalho que essas cinco pessoas faziam. E a gente aceita, porque a gente quer chegar ao topo e acha que não tem opção, mas sempre existe outra opção.

Não é a geração Y que simplesmente é uma geração descolada, que liga mais para ser feliz do que para dinheiro e se esforça muito para conseguir o que quer. Isso é o que o mundo quer que a gente seja. Porque é mais barato e mais produtivo, é claro. A geração Y foi transformada, assim como tem acontecido com todas as outras gerações, visto que o mundo impõe o tipo de profissional que você tem que ser.

Por isso, talvez a geração Y seja mais frustrada mesmo, mas não porque achamos que somos geniais ou porque sempre vemos que nosso amigo do Facebook tem uma vida mais sensacional que a nossa. Os seres humanos são muito mais profundos do que tentam nos convencer de que somos. Por isso eu afirmo que, se nossa geração é mais infeliz, é porque estamos todos perdidos e sem saber o que fazer com essa nova fase do mundo em que todas as informações chegam para nós em um piscar de olhos. Não sabemos lidar com todas essas opções e chances. Ninguém aprendeu a viver nesse mundo ainda. A nossa geração está no meio de uma mudança radical da sociedade e isso é lindo, mas, ao mesmo tempo, assustador. Os meios de comunicação pensam mais rápido que nós, as distâncias encurtaram substancialmente e tudo é tão rápido, mas tão rápido, que não entendemos que TUDO tem um processo para acontecer e ser concluído. A nossa geração nasceu em uma época onde os processos são todos invisíveis e por isso nos esquecemos deles e, aí sim, frustramo-nos. Porque não entendemos nada de processos.

Tudo chega para nós de uma maneira muito fácil e rápida. Quero um produto, posso procurar na internet, comprá-lo online e, em poucos dias, ele aparece na minha casa, como em um passe de mágica. Não pensamos que alguém vai receber aquele pedido, vai colocá-lo manualmente em uma caixa, fará a nota, o recibo e uma porção de processos burocráticos. Ainda não são as máquinas que fazem tudo. Sempre tem alguém mexendo nos processos para as coisas funcionarem. E isso é só um exemplo. Talvez você já tenha pensado sobre tudo isso, sobre o processo das coisas, mas ninguém, de fato, saboreia esse processo. Não dá tempo de saboreá-lo. O mundo é muito urgente. O mundo pede que a gente seja urgente e aproveite tudo ao máximo. Mas como vamos aproveitar o máximo de tudo se um zilhão de opções são oferecidas o tempo inteiro. Como vamos apreciar a conquista de alguma coisa, se o processo foi esquecido?

Grande parte das pessoas da nossa geração pode ser realmente frustrada, mas, nas gerações passadas, também existiram outros tipos de infelicidade. Não adianta atribuir essa característica a uma geração e não observar que estamos no meio de uma ruptura entre uma época sem internet para uma época com internet. Eu arrisco dizer que estamos passando por um processo de transformação de comportamento tão forte quanto o que aconteceu na revolução industrial. Tivemos que repensar tudo, inclusive o conceito de arte. A sociedade ficou completamente perdida, bolando teorias e modos de viver, exatamente como estamos fazendo agora. Estamos em um momento de transformação maravilhoso no qual podemos triunfar ou afundarmos o barco de vez. Mas, um momento: não era exatamente isso que pensavam há 200 anos? É isso mesmo, continuamos os mesmos. Mas, dessa vez, esquecemos que as coisas têm um tempo para serem amadurecidas. Como tudo precisa de um processo, quando nossa vida não deslancha do modo como imaginávamos, frustramo-nos por achar que o meio do caminho, na verdade, é o final dele.

Marcela Picanço

Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.

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