Por Alan Lima
Usamos substantivos para conseguirmos falar de uma coisa na ausência da mesma. Não tenho o mundo inteiro no momento, mas ao utilizar “mundo” consigo trazê-lo até aqui, a este texto, através de sua representação.
Há, além dessa característica, entranhada na evocação, outra ainda mais espetacular. O substantivo tem a façanha de conferir atributos aos seres que dele se apropriam. Por exemplo, Ronaldo era Ronaldo, mas quando virou Ronaldo Fenômeno entrou na lista de grandes esportistas.
Esse mecanismo de interação entre o nome e o nomeado, é discutido no Poema Gilda do poeta mineiro Murilo Mendes. Com pessimismo, os versos atribuem os fracassos de uma família ao batismo de seus membros.
Se por acaso, você se chama Gilda, ou carrega substantivos de maldição, por favor, não esquente. A língua é viva e é possível reinventar os significados impostos pela nossa história. Basta procurar aquele terapeuta maneiro e também, quem sabe, encomendar de algum poeta um poema bendizendo seu nome.
Gilda
Não ponha o nome de Gilda
na sua filha, coitada,
Se tem filha pra nascer
Ou filha pra batisar.
Minha mãe se chama Gilda,
Não se casou com meu pai.
Sempre lhe sobra desgraça,
Não tem tempo de escolher.
Também eu me chamo Gilda,
E, pra dizer a verdade
Sou pouco mais infeliz.
Sou menos do que mulher,
Sou uma mulher qualquer.
Ando à-toa pelo mundo.
Sem força pra me matar.
Minha filha é também Gilda,
Pro costume não perder
É casada com o espelho
E amigada com o José.
Qualquer dia Gilda foge
Ou se mata em Paquetá
Com José ou sem José.
Já comprei lenço de renda
Pra chorar com mais apuro
E aos jornais telefonei.
Se Gilda enfim não morrer,
Se Gilda tiver uma filha
Não põe o nome de Gilda,
Na menina, que não deixo.
Quem ganha o nome de Gilda
Vira Gilda sem querer.
Não ponha o nome de Gilda
No corpo de uma mulher.