Quando eu era menina, era comum uma criança ou outra da vizinhança ter um problemão pela frente. Acontecia, vez ou outra, de quebrar uma porcelana de valor afetivo dentro de casa, e éramos tentados a remendar os cacos com super bonder, argila ou mesmo esmalte. Porém, aquilo era uma trapaça, uma forma de nos safarmos dos discursos inflamados, castigos e safanões. E, mesmo que conseguíssemos adiar o encontro com a verdade, cedo ou tarde ela viria à tona, e além de desastrados, seríamos culpados por mentir e enganar. Antes tivéssemos a coragem de varrer os cacos e revelar nosso descuido. O que nossos pais iriam fazer ao serem confrontados com a realidade poderia doer ou não, mas certamente nos libertaria a viver sem culpa, olhando nos olhos, livres de suposições acerca do “desgosto” que fomos capazes de provocar em nossa família.
A mentira “bonita” é muito mais devastadora que a verdade intragável. Por mais que a mentira tenha “boa intenção”: poupar alguém da realidade, proteger, resguardar… ela causa rupturas amargas na confiança, e pode diminuir a fé que essa pessoa tem na vida, nas circunstâncias e nas pessoas.
Há cinco anos, quando comecei o blog, estava passando por um momento delicado na minha vida. Inesperadamente, algumas “verdades” que eu conhecia foram por terra, e me deparei com uma nova realidade, a realidade que me pertencia e que eu sempre tive o direito de conhecer, mas que por “cuidado” tinha sido revestida de mentira e omissão.
Conhecer a verdade _ sendo ela bonita ou não _ não me amargou nem me tornou revoltada ou deprimida. Porém, saber que tinha sido enganada com mentiras e omissão, me afligiu e por um tempo diminuiu minha confiança nas pessoas.
A realidade, seja ela boa, má, fácil ou extremamente dura, é o que há. Ela é nosso fato concreto, e não pode ser mascarada com uma mentira que não reflete aquilo que temos pra hoje. Não podemos manipular a vida de ninguém, editando aquilo que ela deve ou não conhecer, deve ou não lidar, deve ou não enxergar. Não dá para poupar alguém dos fatos de sua própria vida enfeitando a realidade com omissões. Não dá para achar que ajudamos alguém contando a ela uma mentira.
“Gosto que me digam a verdade. Eu decido se ela dói ou não”. Nem sempre a verdade vai nos trazer alívio ou alegria, mas a vida precisa ser vivida com clareza, por mais que essa transparência traga dor. Ainda assim, é uma dor que nos localiza, nos situa, nos confronta com o amadurecimento e aprendizado. Pois tudo está em pratos limpos, às claras, sem manipulações, hipocrisias, omissões e mentiras.
É melhor desapontar alguém com a verdade (nem sempre bonita) do que enganar com uma mentira. Se a pessoa vai sofrer ou não, isso não nos cabe decidir ou controlar. Não podemos agir como deuses, capazes de manipular e conduzir o que foi reservado à vida de cada um. O sofrimento não é só prejudicial, ele também tem seu papel no fortalecimento dos vínculos e no crescimento pessoal. Tentar remediar o sofrimento através de uma mentira é causar uma dor ainda maior.
Sempre tive afeição por aqueles que me olham nos olhos e deixam transparecer o que vai dentro do coração. Quando há respeito, a sinceridade, por mais que doa, estreita os laços e nos ajuda a crescer. Nos situa, dá um chacoalhão na nossa comodidade e nos desperta para a vida. É como um estalar de dedos na nossa cara, dizendo “acorda, Alice!”; nos ensinando que é preciso arregaçar as mangas e lidar com aquilo que nos cabe: nossa vida real e nada mais.
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Imagem de capa: Monkey Business Images/ Shutterstock
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