JORNALISMO

Grupo de familiares de vítimas da boate Kiss desaprova série e cogita processar Netflix

Aproximadamente 40 famílias de vítimas do incêndio na boate Kiss e moradores de Santa Maria (RS) desaprovam a série “Todo Dia a Mesma Noite”, que retrata a tragédia que completou dez anos nesta semana. Eles têm a intenção de entrar com uma ação contra a Netflix, exibidora do produto.

A série é baseada no livro homônimo, escrito pela jornalista Daniela Arbex, e mescla realidade e ficção, focando na história de quatro familiares específicos. Os personagens reais são interpretados por atores.

O incêndio na boate Kiss causou o óbito de 242 pessoas, além de deixar outros 636 feridos. Uma década depois da tragédia, a Justiça não deu uma resposta definitiva sobre o que aconteceu e que crimes foram cometidos ali.

Em entrevista ao site Splash, a advogada dos familiares, Juliane Muller Korb, explicou que essas 40 famílias não foram consultadas pela Netflix antes da exibição da série e são contrárias à dramatização do caso, ou seja, a mistura entre fatos e ficção.

“Os familiares querem justiça, não querem esquecimento. Querem que fale sobre o incêndio, como em outros documentários e produções jornalísticas, mas sem dramatização e sensacionalismo visto nessa série. Foi pesado para eles verem a cena do reconhecimento dos corpos no ginásio logo no trailer. Muitos não conseguiram fazer isso quando a tragédia aconteceu e, depois, nunca mais viram os corpos.”

Ainda segundo a advogada, alguns familiares voltaram a ter crise de ansiedade e de pânico após ver o trailer sendo exibido na televisão. “Eles assistiram na TV sem querer. Só o trailer os fez passar mal. Os pais não vão assistir. Muitos estavam estáveis em relação a sua saúde mental. É uma linha tênue, é tratado como uma série ficcional baseada em historia real, tudo ali é realidade”.

Os familiares também não concordam que a tragédia seja monetizada por terceiros. “A comercialização da tragédia incomodou muitos. A morte de pessoas vai gerar lucro à Netflix”, completa Juliane.

O empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes é quem coordena o grupo de familiares. À época, ele perdeu Évelin Costa Lopes, sua filha de 19 anos. Esses familiares se comunicam através de dois grupos no WhatsApp. Nesta semana eles irão acionar a plataforma de streaming extrajudicialmente para dialogar sobre as demandas do grupo.

A ação judicial envolvendo danos morais e sequelas médicas será analisada após conversa com a Netflix. Procurada, a empresa ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Na conversa com a plataforma de streaming, os familiares querem entender por que eles não foram ouvidas durante a produção da série e consultados em relação à dramatização do caso. Outro tópico que deve ser discutido é a responsabilidade afetiva e social das plataformas de streaming na produção de séries baseadas em casos reais.

Os familiares querem reivindicar que parte dos lucros da série seja destinada à construção de um memorial. Eles pedem também que o trailer, “que traz aspecto muito pesado”, seja alterado para a exibição na televisão.

A advogada reforça que os familiares não querem indenização pessoal. “Já que existe uma plataforma de streaming lucrando com isso, os familiares desejam a construção de um memorial em Santa Maria para promover a reflexão permanente da comunidade”, reitera.

A ação judicial não é uma unanimidade entre os familiares das vítimas. Ela parte da iniciativa de 40 familiares, diz a advogada. Já a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, criada para representar todas as vítimas do incêndio em 2013, emitiu nota afirmando que possível processo contra a Netflix não é uma iniciativa dela.

“A produção não retrata de forma individual os 242 jovens assassinados, mas sim um recorte das quatro famílias de pais que foram processados. Todos familiares de vítimas e sobreviventes retratados por personagens da obra estavam cientes e em concordância. Além disso, reiteremos que não estamos movendo nenhum processo contra as produções, nem pretendemos, por acreditarmos na potência das produções na luta por justiça e a luta por memória”, diz a publicação.

Veja abaixo o trailer de ‘Todo Dia a Mesma Noite’.

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Redação Conti Outra, com informações do UOL/Splash.
Imagem de capa: Guilherme Leporace/Netflix.

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