Fabíola Simões

“Há momentos que temos que procurar o tipo de cura e paz que só podem vir da solidão.”

Ainda de férias e retornando de minha viagem a Buenos Aires, hoje me permiti acordar tarde. Tomei banho ouvindo Maria Gadú e depois saboreei meu café com as persianas da sala fechadas e a tevê desligada. Não atendi ao telefone, desliguei o wifi do celular e não insisti para que meu menininho saísse da frente do computador. Me servi de mais uma xícara de café, peguei o ótimo “Os novos moradores” e me entendi com Cosme e Vicenza, os personagens de Francisco Azevedo. Depois do almoço, maratona de Grey’s Anatomy no Netflix e reflexão em frente ao computador para redigir esse texto. Que dia feliz!

Há momentos em que a gente só consegue encontrar harmonia, equilíbrio e paz estando só. Descobrindo que a ausência de barulho, agitação, burburinho e efervescência nos reconecta com o que há de mais verdadeiro em nós. Autorizando que a vida também seja feita de quietude, mansidão, doçura e serenidade. Permitindo o encontro com as alegrias silenciosas, com o entusiasmo sereno, com a euforia delicada.

Foi no filme “Comer, rezar, amar” que ouvi a frase: “Há momentos que temos que procurar o tipo de cura e paz que só podem vir da solidão.” Liz, a personagem, em sua jornada de autoconhecimento, deixa para trás sua casa, seu marido e uma carreira de sucesso para descobrir o que é importante em sua vida. Porém, não precisamos ir tão longe para nos reconectarmos com aquilo que nos é primordial.

É preciso ficar um pouco só se quisermos nos conhecer de verdade. Ousar desconectar o fio que nos liga ao mundo por alguns instantes para acessar nossa própria autenticidade. Optar pelo silêncio, pela simplicidade e pelo distanciamento. Aprender a ser ausência, a respeitar a necessidade de nos resguardar, de ser menos fachada e mais discrição.

Não defendo a solidão, pois sei o quanto é duro viver sozinho, sem um par, longe da família e dos amigos. Já passei por isso, por noites frias em que uma mensagem visualizada e não respondida no celular doeu, por instantes em que a melancolia produzida pelo cálice de vinho trouxe à tona velhos fantasmas, por momentos em que o acorde de uma antiga canção machucou.

Somente aqueles que cresceram e amadureceram nessa vida sabem o gosto amargo da solidão doída do abandono e da rejeição. Mas também aprenderam a reconhecer e distinguir a outra solidão, aquela que traz conforto e paz. A solidão boa, que não traz dor nem pesar, mas nos reconcilia com a alma cansada e permite seu restabelecimento e cura.

É um luxo poder desfrutar de nossa própria companhia, em momentos de solidão por opção. Conhecer o que nos faz bem, o que nos completa, o que nos basta. Encontrar respostas no silêncio ou recarregar as energias num banho morno, numa xícara de chá, numa leitura agradável, num filme cheio de significado. Às vezes as respostas que buscamos estão à nossa espera, mas ocupados que estamos com o burburinho do mundo, não damos chance delas virem à tona.

Como peregrinos que optam por fazer suas rotas de fé e autoconhecimento sozinhos (em trajetos como o “Caminho de Santiago”), percebemos que a solidão escolhida é muito mais que uma necessidade de não estar rodeado de gente. É a descoberta madura de que somos seres caminhantes, e alguns percursos são só nossos, de mais ninguém. Adiar essa possibilidade nos afasta do crescimento e da cura, e não nos ensina a resistir nas horas mais silenciosas e desertas.

É preciso gostar de ficar um pouco sozinhos se quisermos ser boas companhias. Experimentar ir ao cinema desacompanhados, sentar num café apenas com um bom livro, fazer uma refeição completa ouvindo os próprios pensamentos. Ganha-se intimidade com os próprios gestos, camaradagem com as próprias vontades, familiaridade com a própria individualidade.

A gente aprende a se enfrentar ficando sozinho. Aprende a vencer o medo de ser olhado com desconfiança (“sozinha num cinema? Ela não tem ninguém?”), aprende a vencer os próprios preconceitos, aprende a distinguir solitude de solidão.

Introspectiva que sou, sempre gostei de meus momentos sozinha. É claro que agora, com marido e um filho que não quero ver longe de mim, isso fica mais difícil. Mas é nas brechas da rotina que exercito minha individualidade e identidade. Descobrindo que a felicidade não precisa ser sempre povoada, e sim também tecida de espiritualidade, inspiração, calmaria e reflexão…

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Imagem de capa: Africa Studio/shutterstock

Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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Fabíola Simões
Tags: solidão

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