Essa semana me deparei com um livro incrível, que acaba de ser lançado pela “Companhia das Letrinhas” chamado “A parte que falta”, de Shel Silverstein. Apesar de ser direcionado a crianças, o livro é cheio de significados, e traduz o mistério que todos nós carregamos, o de ter um espaço vazio dentro do peito, independente da condição de amarmos e sermos amados, ou de estarmos ou não ligados a Deus. Essa “falta” existe em todos nós, e em algumas fases ela fica mais aguda; em outras fases, fica mais suave, quase imperceptível. Porém, ela sempre existirá.
Bukowski dizia: “Há um lugar no coração que nunca será preenchido”, e eu acredito nisso também. De vez em quando somos tentados a acreditar que ao encontrarmos o verdadeiro amor ou um relacionamento que nos baste, vamos nos sentir plenos, completos, livres de angústias e indagações. Porém, isso nunca ocorre completamente. O que acontece é que nos distraímos de nossas incompletudes e inadequações, mas de vez em quando voltamos a nos sentir desamparados e solitários novamente, e isso é perfeitamente normal.
A condição humana é incompleta, e encontrar sentido nas miudezas do dia a dia, observando os pequenos grandes milagres que ocorrem desde uma chave abrir uma porta até o beijo de boa noite em quem amamos, é o que torna tudo mágico, lindo, suportável. É preciso exercitar o encanto. A capacidade de nos contentarmos com nossa realidade, com aquilo que é possível, com o que temos para hoje, com o que precisamos aceitar e o que ainda dá para transformar.
Tem uma frase de Caio F. Abreu que gosto muito. Diz assim: “Tenho me sentido legal. Mas é um legal tão merecido, batalhado…” Gosto da frase porque acredito que de vez em quando a gente tem que batalhar para se sentir bem. Porque nem todo dia será encantado dentro da gente. Mesmo com a mesa farta e a saúde intacta, alguns dias despertam mais amargos que outros, e algo sempre nos falta. É tentador imaginar que aquilo que nos falta é o amor que não deu certo, ou o passado que não existe mais, ou aquela pessoa que desistiu de nos acompanhar, ou a grama do vizinho que sempre está mais verde que a nossa. É tentador imaginar que não depende de nós batalhar por algum bem estar.
Quando a gente entende que em um momento ou outro da vida irá sentir um vazio que nada preenche; e que esse vazio irá aparecer de vez em quando; e que de repente esse vazio irá embora e tudo irá fazer sentido novamente; e que depois o vazio irá voltar… e que mesmo orando muito, tendo uma autoestima elevada e fazendo exercícios físicos esse ciclo se repetirá por toda a vida… quando a gente entende isso e aceita que é assim mesmo, a gente para de se sentir estranho, de se sentir anormal, de se sentir inadequado. A gente aprende a dizer: “Ok, é você chegando de novo, sei que logo vai embora, mas agora vou me sentir um pouco incompleto novamente, senta aqui, tá tudo bem”. Então a gente acolhe o vazio, faz as pazes com ele, e para de tentar dar um motivo a ele. A gente simplesmente percebe que ele também é parte do que somos; faz parte do mistério de sermos humanos e, portanto, limitados. A gente simplesmente aceita; deita a cabeça no colo de Deus e espera o tempo do vazio passar. Porque ele sempre passa…
É isso que o livro de Shel Silverstein transmite. Através de suas ilustrações bem humoradas e cheias de significado, somos levados a refletir sobre a falta. Ao encerrar o livro, repousamos sua encadernação sobre a perna e respiramos fundo. Parece que dá um click, sabe? De repente percebemos que estivemos enganados, inventando álibis para justificar nossas angústias e sensações de vazio. Mas ao final descobrimos que não estivemos sozinhos quando sentimos que algo nos falta. Até os reis, as atrizes de cinema e aquele crush que te esnobou já sentiram isso pelo menos uma vez na vida. Até seu ex, seu terapeuta e o padre da paróquia já experimentaram isso. Até o monge budista e o autor daquele livro de autoajuda já passaram por isso também. Você então percebe que esteve agindo como o personagem do livro, cheio de expectativas, louco para se sentir completo. Mas ao final você se absolve. Deixa a borboleta repousar sobre o seu ombro e fica feliz com a presença dela ali. Entende que a vida é cheia de mistérios, e que a percepção da felicidade ocorre para aqueles que aprendem a lidar com os altos e baixos da existência, dançando quando houver música e deitando no colo de Deus quando tudo silencia.
Imagem de capa:Jan Faukner/Shutterstock
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