Por FLÁVIA YURI OSHIMA
Especialista em infância de Harvard diz que educar os bebês, desde os primeiros dias até os 5 anos, é a melhor forma de combater os efeitos da pobreza no aprendizado.
O psicólogo americano, de origem japonesa, Hirokazu Yoshikawa escolheu estudar os impactos da pobreza e da imigração na educação. Chegou, então, a outro ponto de interesse: a infância, na faixa etária que vai do nascimento aos 5 anos de idade. Cuidar dos pequenos nesses primeiros anos de vida, afirma ele, é a forma mais eficaz de diminuir e até neutralizar os efeitos negativos que a pobreza causa na capacidade de aprendizado e no desenvolvimento das crianças. Professor da Faculdade de Educação de Harvard e da Universidade de Nova York, Yoshikawa esteve no Brasil para participar do congresso sobre infância da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Ele conversou com ÉPOCA sobre a importância de cuidarmos dos imigrantes, que chegam de outras nações ou que se mudam de áreas isoladas para as grandes cidades de um país. A negligência com os imigrantes, diz Yoshikawa, pode alimentar crises sociais e educacionais difíceis de ser remediadas.
ÉPOCA – Qual o impacto da pobreza na educação?
Hirokazu Yoshikawa – A pobreza tem um impacto enorme na educação e na capacidade de aprendizado da criança, por diversas razões. A mais evidente é a falta de dinheiro dos pais para pagar melhores escolas e comprar livros e brinquedos que a estimule. Sabemos que a boa qualidade da pré-escola tem um papel importante no desenvolvimento da criança. Pais de baixa renda têm pouco acesso a instituições como essas. E há impactos que vêm dessa circunstância. Um dos mais relevantes é o estresse dos pais que trabalham muito e, ainda assim, não têm dinheiro para pagar contas. A falta de disposição gerada por esse estresse é um impedimento maior para os pais participarem da vida dos filhos do que a falta de tempo em si.
ÉPOCA – É possível tirar esse atraso?
Yoshikawa – Nunca é tarde para ajudar a remediar os efeitos de problemas no desenvolvimento das crianças. Mas há evidências de que, quanto mais demoramos para fazer isso, mais caro custa para a sociedade recuperar essas crianças. Por isso o investimento nos primeiros anos de vida é tão importante. Se esperarmos para dar oportunidades às crianças, não só pagaremos mais caro, como também correremos o risco de não ser tão eficazes nos resultados.
ÉPOCA – O que o senhor observou em suas pesquisas que permite dizer que a criança teve uma educação eficaz?
Yoshikawa – Observamos muito mais que notas. Acompanhamos essas crianças na vida adulta para saber se elas conseguiram ter uma participação bem-sucedida na sociedade. Não se trata de ver se elas conseguiram emprego, mas se elas foram bem-sucedidas em disputar boas oportunidades de trabalho nas áreas que escolheram, sair da pobreza e levar uma vida saudável. Nos últimos 30 anos, uma série de estudos mostrou que a eficácia dos investimentos nos primeiros anos da infância é entre seis e oito vezes maior do que a de programas que procuram remediar lacunas de aprendizado em idades mais avançadas. Um grande estudo, o Abecedarian, acompanhou um grupo de jovens que recebeu cuidados de qualidade nos primeiros anos de vida e outro que não recebeu. Os resultados mostram, entre outros dados, que a incidência de encarceramento na vida adulta diminuiu em um terço no primeiro grupo.
ÉPOCA – O senhor pode dar exemplos do que seriam esses cuidados de qualidade?
Yoshikawa – A questão central é ter adultos bem treinados em dar atenção para os pequenos, ao mesmo tempo que saibam ceder espaço para que eles exerçam a criatividade e a vida social com estímulos saudáveis. É claro que ter um espaço físico arejado, limpo e seguro também é importante, mas sabemos que o mais importante é preparar os adultos que passam mais tempo com as crianças. Dois programas de monitoria implantados em Boston e em Nova York mostraram resultados importantes na melhora das creches. A monitoria consiste em ter um tutor que acompanha o tempo de professores e cuidadores com as crianças pequenas e faz sugestões de como conduzir a interação entre elas. Numa briga, em vez de dar bronca, o tutor estimula a criança a assumir o lugar do colega e a imaginar o que fazer no lugar dele. A monitoria é uma ideia muito simples e altamente replicável. Os resultados vistos no desenvolvimento das crianças foram tão impressionantes que o sistema será implantado no maior programa americano para a pré-escola, que cuida de 900 mil crianças por ano.
ÉPOCA – Inúmeras pesquisas já mostraram a importância da participação dos pais na educação da criança para que ela se desenvolva melhor. Esses estudos também mostraram a dificuldade de envolver as famílias de baixa renda. Como resolver esse problema?
Yoshikawa – Nos últimos seis anos colocamos o foco nessa questão. Criamos um programa de cuidados para crianças de 0 a 5 anos de famílias pobres, que inclui diversas ações para aproximar as famílias. Temos programas de capacitação para os pais e cursos de proficiência em inglês para imigrantes. Nesses cursos, para ensinar a língua, usamos conteúdo que mostra a importância da educação infantil. Chama-se Two Generation Program (Programa Duas Gerações) e tem resultados incríveis no envolvimento de famílias com a vida das crianças. Há elementos desse programa que poderiam ser incorporados aos sistemas de educação para jovens e adultos, que todos os governos têm. Por que não aproveitar as aulas de alfabetização, de história e de sociologia para adultos para ministrar conteúdos sobre a educação de crianças? Muitos alunos desses cursos são os pais de crianças que não vão para a pré-escola, ou são os cuidadores de creches ou os empregados domésticos. Enfim, são as pessoas que passam mais tempo com as crianças pequenas.
ÉPOCA – O senhor publicou um livro, Immigrants raising citizens (Imigrantes criando cidadãos), sobre a vida de crianças de imigrantes. O que o senhor mostra no livro?
Yoshikawa – Criamos em Harvard uma pesquisa que consistiu no acompanhamento da vida de 350 famílias imigrantes nos Estados Unidos. Queríamos saber como é o desenvolvimento dos filhos de imigrantes pobres e em situação ilegal, sem visto de residência. O livro mostra os problemas que ocorrem com imigrantes de forma geral, não só os ilegais.
ÉPOCA – Quais foram as conclusões?
Yoshikawa – Famílias pobres de imigrantes criam seus filhos com muito menos suporte do que famílias pobres de não imigrantes. Seus filhos têm direito de usar os serviços sociais, participar de programas de suporte à infância tanto quanto qualquer outro, mas, por medo de serem deportados ou por não estarem ambientados e informados, os pais não recorrem a esses serviços. Muitos pais imigrantes temem questionar professores, por exemplo. O impacto aparece diretamente no desenvolvimento das crianças. Nos filhos de imigrantes, o tamanho do vocabulário das crianças, a autonomia, a capacidade de interação social e de concentração não são tão desenvolvidos quanto os de crianças de famílias pobres que vivem com mais estrutura. Esses imigrantes estão criando os cidadãos das próximas gerações. Governos e nações alimentam um problema sério para a sociedade por não cuidar disso. Somente nos Estados Unidos, hoje, há mais de 17 milhões de crianças que são filhos de imigrantes, de acordo com os dados oficiais. Esses números podem ser maiores.
ÉPOCA – Há uma crise de imigração no mundo. Na Europa Ocidental, há centenas de milhares de imigrantes que pedem asilo. Como acolher esse contingente de pessoas, sem instaurar o caos na estrutura social dos países que as recebem?
Yoshikawa – Não há uma receita pronta, mas há dois pontos de partida. O primeiro é de postura. Você e eu somos descendentes de japoneses que nunca moramos no Japão. Nos lembramos disso sempre que nos olhamos no espelho. A maioria das pessoas é de família de imigrantes como nós, mesmo que não esteja no rosto delas. Atravessar fronteiras nacionais ou internas em busca de oportunidades melhores faz parte da história da formação das civilizações, assim como faz parte de nossa natureza mudar, sob todos os aspectos, para melhorar a vida de nossos descendentes. Os governos, as instituições e os cidadãos precisam refletir sobre isso, para que o princípio de humanidade se sobreponha a interesses isolados. Todos têm o direito de buscar melhores condições para suas famílias e suas comunidades. O segundo ponto de partida é bastante prático. Devemos planejar a forma de receber os imigrantes e preparar nossos servidores para dar suporte a essas famílias. ONGs, a imprensa, campanhas do governo e campanhas nas escolas podem ajudar. Cuidar da imigração significa evitar crises sociais e educacionais no futuro.
Fonte indicada: Revista Época
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