Quando chegou aquele homem pequeno, de olhos brilhantes e um rosto que tinha algo de palhaço, eu tinha apenas 17 anos e vivia do outro lado do riacho. Na primavera e no início do verão, a água descia das geleiras das montanhas e corria formando redemoinhos, arrastando troncos que se entrechocavam. Aquele homem construiu sua choça perto do riacho.
Durante a primeira semana ninguém o via. Depois fiquei sabendo que trabalhava na serraria dos irmãos Gomes. Durante um mês passou seus fins de semana olhando as águas, o bosque e o povoado. Olhava os outros e a nós com um olhar profundo e calmo.
No segundo mês começou a cortar grandes árvores. Foi num fim de semana que apareceu em nossa cabana e pediu que lhe emprestássemos uma junta de bois. – Quero arrastar os troncos, disse. Meu tio, por curiosidade, foi olhar e viu que arrastava os troncos para perto do riacho.
– Vai fazer uma balsa! Disse meu tio. Meu assombro, porém, foi grande quando o vi cavar um buraco e enterrar um enorme tronco. Em seguida arrastou pedras para firmá-lo. Meu tio observou-o durante todo o dia e depois disse: – Está louco! Quer fazer uma ponte… Naquela noite sonhei com uma linda ponte de madeira que fazia um barulho como um tambor quando se andava sobre ela.
No Domingo de manhã, saltei da cama e corri ladeira abaixo. Sem dizer uma palavra, comecei a arrastar pedras. Ao entardecer o homem disse: – Vai ser lindo quando pudermos passar sobre o rio! No outro fim de semana se juntaram a nós dois homens e uma mulher que viviam na ribanceira da frente. Durante a jornada (mutirão) houve conversa e se contaram estórias. Então me dei conta que “os da frente” não eram tão maus como diziam os vizinhos.
Ao final da jornada o homem disse:
– No Sábado que vem trabalharemos na outra margem do rio. Desta vez fomos 15 pessoas, em ambos os lados do rio. No terceiro mês éramos quarenta. Houve, então, um problema sério do nosso lado. Uns goles de pinga a mais provocaram uma discussão entre Manuel, o carpinteiro, e João, o ferreiro. Ambos queriam ser “chefe da construção”. Naquela mesma noite o volume de águas cresceu e arrastou consigo nossos troncos e empurrou enormes pedras como se fossem cascalhos.
No seguinte fim de semana éramos apenas sete, limpando a costa para começar tudo de novo. Cinco meses depois, finalmente, colocávamos as proteções dos lados. – Coloquemos umas boas proteções para que as crianças possam correr pela ponte, sem perigo – nos disse o homem. Fomos oitenta, os que trabalhamos na construção das proteções. Pela tarde, oitenta e um; foi quando chegou meu tio, o último a incorporar-se. Naquela noite, mortos de cansaço, fomos todos olhar nossa ponte e nos sentamos ao redor de um grande fogo. Então nos demos conta de que amávamos a ponte, o rio e que gostávamos de estar juntos. Esta união, não nos abandonaria nas iniciativas que haveríamos de tomar depois.
Nos olhávamos com estima e em cada um de nós existia um secreto desejo de recuperar o tempo perdido, quando nem sequer nos olhávamos.
Isso tudo devíamos àquele homem pequeno, de olhos brilhantes e semblante de palhaço.
Autor desconhecido
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