Hoje é fácil virar manchete. O difícil é conseguir se perder na multidão

Hoje é fácil virar manchete. É fácil replicar outros passos feito tipografia. Um descuido e a gente vira o nome que o locutor da rádio narra. É fácil ser destaque em jornal. Ser capa de revista popular. Ser polêmica.

O difícil é passar batido. É olhar sem ser percebido. É falar sem interromper. É ajudar a subir a escada da vida aqueles que amamos sem sermos pisoteados por quem vem atrás. O difícil hoje é sorrir apesar das dores que rasgam. O difícil é se segurar antes de um tombo. Nesses tempos de outros templos é santo quem finge não ouvir aquele que cerra os dentes colado em seu pescoço.

É fácil ser enfiado em alguma história na qual não cabemos. O difícil é manter-se parado quando tudo gira rápido demais. O difícil é ficar quando a vida muda de lugar. Quando os amigos mudam de lado. Quando o certo vira errado e o errado vira certo. O difícil é não largar mão quando o móvel machuca as costas no meio da mudança.

É fácil fazer a fila andar depressa. Girar o número de contatos como um bingo. O difícil é encontrar um único alguém feito de verdade e sonhos para dividir a vida. O difícil é fazer um romance de filme sem audiência. É encenar Romeu e Julieta sem plateia. O difícil é colocar na mesa as qualidades e defeitos e entender que quando a gente joga ninguém ganha. O difícil é segurar em mãos firmes e livres quando existem tantas mãos atadas.

É fácil ser famoso na rua, no bairro, na cidade. Ser visto é sempre uma questão de (pouco) tempo. O difícil hoje é ser anônimo e sumir prazerosamente na multidão. O difícil é ser feliz sem publicidade. É amar sem lembrar que existe rede social e internet. O difícil é caminhar sozinho e respirar a liberdade de ser quem se é. De acertar e errar sem medo em um mundo que cobra excelência. O difícil é não ser comentado. Não ser apontado. Não ser julgado. O difícil é se encontrar no meio dessa roda louca de vazios com rostos amigos e de amigos com rostos vazios.

É fácil te chamarem pelo nome sem te conhecerem. É fácil falarem de lembranças nas quais você não está. Te julgarem sem empatia.

O difícil hoje é ser semente quando a expectativa é grande por arbustos e árvores crescidas. O difícil hoje é ser desconhecido e poder se apresentar ao mundo nu e inteiro, repleto de possibilidades e belezas. O difícil é ser inédito em um tempo onde tanta gente tem uma ideia formada acerca de tudo e todos.

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Atribuição da imagem: unsplash.com – CC0 Public Domain







Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.