Dias desses ouvi umas papagaiada do tipo “todo mundo trai, mas eu resisto” e “ela me dava indiretas e eu fingia que não ouvia, mas os caras me zoavam”. Junto com as afirmações, veio a pior auto constatação de todas: “e, por isso, eu que sou homem de verdade”.

Não sabia se ria ou se chorava depois de tanta história mal contada. Mas a culpa não era dele (pelo menos não só dele), afinal ele pensa como a maioria. E a maioria, infelizmente, está equivocada.

Meu pai não me ensinou o que é um homem de verdade. Minha mãe teve uma compaixão além do limite para perdoar os erros que ele continua cometendo. Eu me lembro de ter aprendido sobre o significado da traição ainda muito pequena, quando não era capaz de entender a dimensão dessa pequena falha que a humanidade já quase aceita como normal.

Todos temos o direito de sermos solteiros ou de nos relacionarmos. Nosso livre-arbítrio nos permite escolher quando, onde e com quem. E um relacionamento não é uma prisão, mas vem com seus ofícios. Você faz escolhas pensando em duas pessoas e no que será melhor para elas. O cuidado está na simplicidade do “na dúvida do que é certo ou errado, pense no que não gostaria que fizessem com você”.

Infelizmente, nossa querida sociedade do disse-me-disse pensa de outro jeito…

O menino nasce. O pai todo cheio de si fala que “esse vai pegar todas” e a própria mãe diz “amarra suas cabras porque logo logo eu vou soltar o meu bode”. Quando chega nos 10 anos, já beijou uma menina na escola. Nem com 15 já perdeu a virgindade, e com sorte (muita sorte) não foi em um puteiro.

Um dia esse menino se apaixona por uma menina linda, a rosa mais bonita do jardim. Sem saber o que sente, começa a namorar. Além da atração, ele percebe um carinho diferente, mas não entende. Afinal, sobre atração ele vem aprendendo desde que nasceu, mas será que sabe o valor do amor?

Certa tarde ensolarada, chega no trabalho uma menina nova, linda também. Na hora ele se mexe na cadeira. Todo mundo pára e acompanha o seu caminhar. A menina linda não sabe se chegou no escritório ou se está passando em frente a uma obra, mas ela continua com sua passada firme. Então seus olhares se encontram, e o menino (que agora é homem) esquece de quem o espera em casa, todos os dias, com comida feita e um sorriso grato por compartilhar a vida com ele.

De papo em papo, o homem cede. Afinal, “sou homem, não resisti”. Ele mesmo percebe a cagada, mas não podemos voltar atrás e apagar aquilo que foi feito. O jeito é conviver com as próprias escolhas.

A menina que o espera em casa recebe uma foto no celular. Não acredita no que vê. Não entender onde errou. Ele parece gostar tanto dela. Diz que a ama todos os dias. Não pode ser de verdade.

O homem chega em casa e não tem cara para encarar a realidade do que fez. Lembra do seu pai dizendo “isso aí filhão!” e compara com o peito partido pela própria culpa. Sua cabeça contradiz o seu coração, e ele não consegue resolver a equação. Depois de uma vida criado em uma sociedade machista, ninguém o ensinou sobre o respeito ao próximo. Ninguém o educou sobre a importância do sentimento que cativas no coração do próximo, sobre a preciosidade que é tê-lo e o desafio diário que é mantê-lo. Ele se sente homem por não ter deixado a menina do escritório passar, mas se sente um covarde dentro de seu carro na garagem, sem saber como enfrentar o que o espera em casa. A culpa pesa em seus ombros e ela é maior que qualquer dez minutos de prazer.

Quando abre a porta, só escuta o silêncio. Não sente o cheiro da comida fresquinha de todos os dias e não vê sua namorada arrumada na cozinha, de mesa posta, esperando ele chegar e contar como foi seu dia. Fica desesperado. Sobe e a procura em todos os cômodos. Quando chega no quarto, vê armários vazios e uma pequena carta em cima da cama. Trêmulo, ele encara o pedaço de papel:

“Meu amor, hoje recebi uma foto sua com uma colega do escritório. Eu custei a acreditar que você era o homem naquela foto, porque até hoje você me parecia um homem de verdade. Me tratava bem, me ouvia, me dava a mão e fechava comigo em tudo. Eu sempre retribui seu amor com todo o amor do meu peito. Hoje você partiu meu coração em muitos pedaços, e por isso vou embora. Sou uma mulher de verdade, com defeitos como todas, mas sei o valor do sentimento que carrego no peito e, principalmente, sei o meu valor. Você, infelizmente, não sabe. Você é a maioria, que diz que honra o que tem no meio das pernas, mas a verdade é que não sabe valorizar o que realmente é de verdade na vida. Sinto muito por você. Um abraço.”

O homem, tão cheio de coragem para ser o melhor do escritório, chora e borra a carta. Aquela mulher nunca mais irá voltar, e a culpa é toda dele. Nos outros dias, vai ao trabalho cansado, com roupas amassadas, sem ter dormido direito naquela cama que agora é imensa. Todo mundo nota. Ele comenta que ela o deixou.

Olha para a bonitona e já não vê nada nela. Falta o sorriso de sua mulher, os cachinhos que ela deixava quando o cabelo ficava natural, o aroma doce de seu perfume. Sem ela, ele não é mais nada. A dor o está ensinando a ser um homem de verdade, sincero consigo e com os outros. Talvez, se houver um próximo relacionamento, ele possa acertar e se basear no que sente e não no que o dizem para fazer. Afinal, a tv não ensina que amor é todo dia, e que homem de verdade é aquele que honra a sua mulher. Aquele que tem caráter e que acorda todo dia para ser a melhor versão de si mesmo. Que sabe que cinco minutos de beleza não compensam uma vida de troca e aprendizado. Que entende que toda atitude conta para que os sentimentos perdurem. E que sabe que suas escolhas é que definem seu caráter, mesmo que sua base tenha sido diferente…

Meu pai me ensinou em casa que quem lava louça é a mulher, que quem brinca na rua é só o filho homem e que eu, como menina, deveria ter aprendido desde cedo a ajudar minha mãe na lavanderia. Minha mãe criou dois filhos pequenos, trabalhou em três turnos em uma escola pública e nos ensinou sobre dignidade e sobre correr atrás.

E ai você se pergunta: “por que você contou sua história, contou um conto no meio, e depois voltou pra sua vida?”. Porque quero explicar que a nossa educação de base, por mais que nos influencie, não dita o nosso caráter. Nosso caráter vem com a gente, é a soma dos nossos erros e acertos, é quem a gente é, são as nossas decisões, é o que a gente escolhe deixar pra trás pra poder andar pra frente.

E, homem de verdade, pra mim, é homem de caráter, que assume a vida que escolheu e as decisões que tomou. É homem que saber discernir o certo do errado, mesmo dentro de casa. É aquele que procura um trabalho honesto, ama a esposa (ou ama a vida de solteiro, por que não?), e acorda todos os dias para ser ainda melhor.
Queria dizer que conheço vários, mas a verdade é que não sei nem se conheço um. E vocês?

Imagem de capa: g-stockstudio/shutterstock

Ana Carolina Faria Bortolo

Turismóloga e Administradora de Novos Negócios por formação. Escritora, pintora e dançarina por vocação. Planejadora de eventos, bartender, agente de viagens e vendedora por profissão. Garçonete de navio por opção. Vi o mundo e voltei, e de todos os rótulos que carrego na bagagem, só um me define bem: sou uma ótima contadora de histórias.

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Ana Carolina Faria Bortolo

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