Júlia Guglinski

Humanização canina: Eu mimo demais o meu cachorro e ele retribui com malcriação. Entenda o assunto.

Atualmente vem sendo comum entrar em alguns restaurantes, hotéis e até Shoppings e dar de cara com cachorros. Os estabelecimentos entendem que os pets estão cada vez mais fazendo parte da vida dos clientes, ou seja, se aceitamos cães, diminuímos a concorrência e a clientela dispara. Embora essa inclusão seja importante para a correlação entre homem e animal, já parou para analisar se exageramos em alguns pontos?

“Seu direito termina onde começa o do outro”, diz o velho ditado. Enquanto os amantes fervorosos dos animais decidem levantar a bandeira da democracia pet, quem não agrada de pelos, babas e rabinhos abanando, tem criticado a decisão pela maneira deliberada que a exercem. Em épocas bem remotas, o homem e o cão tiveram seus primeiros contatos em uma espécie de mutualismo, onde ambos saíam beneficiados. Enquanto os humanos se aqueciam com seu pelos, utilizavam a força e velocidade nas trações, o pastoreio dos rebanhos e proteção, os animais tinham abrigo e comida. Gratificante poder incluir nossos pets em cada momento que vivemos ao lado deles, mas devemos avaliar até que ponto não estamos exacerbando nesse convívio. Atentamos sempre que, ao se sentirem pressionados, invadidos ou acuados, os cães desenvolvem ansiedade, agressividade, possessão e vícios de comportamento.

Sabemos que cães possuem uma capacidade incrível de aprendizado e são animais sociais que necessitam de interação e de hierarquia para se manterem em harmonia, contudo, extrapolar na convivência e atividades fúteis, podem desencadear problemas comportamentais sérios. Entendemos que festas de aniversários caninas servem para estreitar os contatos entre os pets e seus donos, porém, os cães não compartilham de felicidade e entendimento sobre o que está acontecendo em um ambiente de velas acesas, bater de palmas, música alta e falação. Lembrando que a audição desses animais é superior à nossa, sendo assim, há uma contradição entre os proteger dos fogos de artifício mas submetê-los à festas de aniversários regadas a muito barulho.

Acessórios de Pet Shop são sempre bem vindos até a segunda ordem. Lacinhos e gravatinhas, roupinhas confortáveis e quentinhas durante o inverno e penduricalhos fazem parte do closet desses mascotes, entretanto, o bom senso é amigo no momento em que essa chuva de informações para eles prejudicam suas funções naturais. Sapatinhos, por exemplo, só deveriam ser colocados para tirar fotos ou como via de proteção em casos extremos, pois as patinhas exercem uma grande função de equilíbrio para esses animais. Terminações nervosas que lhes causam prazer ao pisar, sensibilidades em relação a cada passo, como também a serventia que poucos sabem: Cães transpiram pela pata também… Sendo assim, lhes embutir um sapato, estarão privando funcionalidades essenciais de “respiro” nos coxins e bem estar no geral.

Sobre carrinhos de bebês e também para cães. Já devem ter visto por aí uma cabecinha peluda entreolhando as ruas pelo alto de um carrinho, não é mesmo? Luxo, capricho, proteção, até onde vai o critério humano no momento em que passam a tolher as carências orgânicas desses cães?! Animais que só passeiam empurrados sobre rodas desconhecem socialização, perdem a noção de espaço, odores, sem contar que não correm, brincam, descobrem as delícias de colocar as patinhas no chão desfrutando das maravilhas que o mundo oferece a eles. Humanizar não é sinônimo de amor aos animais, humanizar é querer introduzir necessidades e percepções humanas em animais que não precisam e não aproveitam desse universo como nós. Carinho, amor e mimos são bem vindos quando dosados corretamente. Mais que isso, estaremos arrumando um problema que futuramente poderá acarretar em maus tratos ou abandono.

Imagem de capa: Phurinee Chinakathum/shutterstock

Júlia Guglinski

Treinadora e comportamentalista de cães. Atriz de teatro, cantora e compositora.

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Júlia Guglinski

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