Ignorar as fofocas é uma das melhores formas de ser feliz.

“Lembremos que a verdade sempre aparece, a despeito de toda fofoca e toda maldade que nos cerca, pois o bem há de ser mais poderoso do que o mal na trama de nossas vidas, assim como também o é na ficção.”

É normal e esperado que pais, familiares e amigos íntimos preocupem-se conosco e perguntem sobre nossas vidas. Nesses casos, trata-se de afeto e consideração, pois quem nos ama nos dá atenção com intenções sinceras. Porém, há quem pareça saber tudo sobre nossas vidas, até mais do que nós mesmos sabemos, e pior, indivíduos que mal conhecemos, pois não fazem parte de nossas vidas.

Existem pessoas que têm mania de falar da vida alheia para quem quiser ouvir e onde estiver. De longe, controlam a hora em que chegamos e saímos, o que almoçamos e com quem, se repetimos ou não a roupa, se trabalhamos direito, com quem estamos nos relacionando, enfim, são os biógrafos de plantão. Temos a sensação de que estamos sendo observados por câmeras escondidas, tamanha é a convicção com que essas pessoas fazem afirmações sobre nossas vidas.

Se os biógrafos de vidas alheias se limitassem a nos pesquisar para si só, seria menos irritante. Mas não, eles fazem questão de falar sobre nós para os outros, na maioria das vezes denegrindo nossa imagem, destacando em nós aquilo que eles julgam inadequado. Têm a necessidade de apagar qualquer brilho que possa vir a ofuscar a sua suposta superioridade, no trabalho e na vida lá fora, fazendo de tudo, de forma perigosamente velada, para que chefes e colegas vejam em nós alguém não confiável.

Alguns relacionamentos amorosos em que embarcamos também são marcados por um controle excessivo sobre nossas vidas, mas, nesses casos, o controle é explícito, pois somos questionados a todo instante sobre aonde fomos, com quem fomos, por que fomos, como fomos. Temos vontade de jogar o celular no rio, de tantas mensagens que o parceiro nos envia, ao longo do dia, desde um bom dia meloso até as inúmeras inquisições persecutórias. Será que a pessoa é incapaz de perceber que escolhemos estar com ela porque quisemos; ninguém nos obrigou a nada?

Tentar controlar a vida do outro é tão inútil quanto varrer as folhas enquanto venta. As pessoas são o que são e não mudarão para simplesmente atender aos caprichos de outrem. Mudamos nossos comportamentos quando nos conscientizamos verdadeiramente de que estejam nos prejudicando, e somente se quisermos. Controlar o parceiro excessivamente não vai impedi-lo de trair. Controlar o trabalho do colega não o fará deixar de entrar atrasado ou de enrolar o dia todo. Ninguém tem poder sobre a vida alheia, felizmente ou infelizmente que seja. Ser pressionado e acuado muitas vezes nos incita à revolta e à tentação de agirmos exatamente de forma contrária às expectativas do outro. Nossa natureza é rebelde e reage negativamente ao controle externo – a vida, libertadora em sua essência, odeia amarras de quaisquer tipos.

Pessoas que se comprazem em querer saber tudo da vida do outro parecem ser indivíduos vazios e infelizes, pois não conseguem achar nada de bom em si mesmos, ou seja, não enxergam nada que valha a pena dentro de si e necessitam se preencher com algo de fora. Tentar diminuir o outro com maledicências, além de ser uma atitude covarde, denota fraqueza emocional e de caráter. O vazio interior e o desprezo de si mesmo devem ser tão insuportáveis, que passam então a ser combatidos com a exposição venenosa da vida alheia. Quem é infeliz consigo mesmo não suporta ver ninguém esboçando sorrisos e tenta atrair tudo à sua volta para sua escuridão miserável – inutilmente, na maioria das vezes, pois quem brilha por si só não se abala com miudezas como essas.

Quanto aos casais, o senso comum diz que aquele que sufoca o parceiro geralmente se sente inseguro e incapaz de ser alguém minimamente atraente. Possui uma visão tão negativa de si próprio, que não concebe a possibilidade de o outro querer estar com ele, porque não se vê como uma pessoa digna de ser amada. Também pode ser que seja ele o infiel e queira evitar que o outro também o seja, pois, egoísta ironia, não aceitaria que o parceiro lhe fizesse exatamente o que ele mesmo faz. Trata-se, aqui, de alguém que engana, mente e trai com facilidade, mas jamais suportaria que mentissem para ele, que o enganassem ou que o traíssem. Mas o ciúme amoroso excessivo envolve questões muito mais complexas do que isso; importa, aqui, fugir a relacionamentos controladores.

A preocupação dos pais com as andanças dos filhos, dos amigos com nossa saúde física e emocional, do chefe com nossas tarefas, do professor com nosso aprendizado são bem vindas e necessárias, pois servem como motivação e ordenação de aspectos importantes de nossas vidas. No entanto, sermos observados e comentados negativamente por pessoas que não nos dizem respeito, que não se importam minimamente com o nosso bem, é perturbador e desagradável. Podemos até tentar deixar claro, aos enxeridos de plantão, que estamos incomodados e que procurem algo mais proveitoso para si próprios com o que se ocupar, mas dificilmente nos ouvirão, pois seu caráter é surdo.

Ignoremos simplesmente, pois não suportam desprezo de ninguém, além de serem indignos de que percamos um segundo de nossas vidas com eles. Lembremos que a verdade sempre aparece, a despeito de toda fofoca e toda maldade que nos cerca, pois o bem há de ser mais poderoso do que o mal na trama de nossas vidas, assim como também o é na ficção. Porque não somos novelas, não somos celebridades, então não somos obrigados.

Imagem de capa: Syda Productions/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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