Por Patrícia Dantas
Num pouso de segundos, senti vontade de vasculhar tudo – tudo o que até então eu havia guardado dos tantos imensos e doces prazeres de um tempo que eu prefiro não calcular em números, mas desejo simplesmente senti-lo – como eram aquelas pessoas, minhas amigas e amigos, as primeiras festas, os jogos, a turminha (como costumávamos chamar), a sala de aula, as brincadeiras, as reuniões secretas, nossas histórias, primeiras fantasias e interesses confusos e arrebatadores pelo outro.
Revirei uma pasta enorme – já se abrindo pelo volume de tantas coisas que eu ainda guardava -, talvez fosse o momento de jogar tudo fora, não lembrar, mas jamais esquecer.
Era tudo tão bom que chega a ser dolorido. As cartinhas, já um pouco encardidas pelo tempo (de uns quinzes, dez, oito anos) me transportaram para um tempo não muito distante se olharmos para nossa cronologia oficial e histórica. Mas, sobretudo, um tempo que adquiriu outro sentido. Já não se escrevem mais cartinhas como aquelas, não se perde mais tempo, porque hoje temos a internet que dá conta de tudo.
Amigos e amigas que viajaram, foram morar distante, não deram mais notícias; amigos e amigas que se casaram e construíram suas famílias; amigos e amigas que preferiram se aventurar pelo mundo; amigos e amigas que encontro e nos comunicamos nas redes sociais com a mesma sensação de uma amizade eterna; amigos e amigas que já se foram, e às vezes nem sabemos para onde; amigos e amigas que não se falam mais, sem motivo algum, ou já se esqueceram da amizade daquele tempo; amigos e amigas que continuam lutando pelo que mais acreditávamos: nossos sonhos; amigos e amigas que um dia poderão se encontrar nos rumos incertos da vida que muitas vezes faz de tudo o caminho mais certo para seguir; amigos e amigas, sem mais.
Fiquei imaginando como eu escrevia, minha forma de ver o mundo, minha forte relação com as palavras. Será que eles aceitavam tudo o que eu dizia? Tudo que pousava com desejo nas minhas mãos e ganhava o papel ainda em branco? Não sei, adoraria saber! Também não sei dizer se eu os entendia, mas eu os respondia sempre, jamais deixava uma conversa, uma inquietação, uma dúvida de um amigo sem resposta, nem que fosse só para dar uma palavra amiga, às vezes com pequenas doses de realidade, pois tinha medo e sabia que a realidade poderia maltratá-los da forma mais cruel possível – sempre tive este senso terrível da realidade -, é como se eu pudesse tocá-la e senti-la antes de dá-la a alguém. Assim, podia escrevê-los de vez em quando.
Ao passo que recebia muitas cartinhas também as enviava cuidadosamente, em envelopes decorados, papeis coloridos e desenhados. Eu até poderia não conhecer grandes obras de arte, mas sabia que a vida necessita de boas doses de arte, todos os dias, para sairmos da tentação de provar sempre das coisas triviais, superficiais, reais.
Ah, só agora lembrei da suprema e sutil realidade! Ainda estou impregnada da leveza daquelas palavras dos meus amigos e amigas que me deixaram estas singelas e poderosas obras-primas, tão instigantes, devoradoras, insistentes, um misto de saudade e esperança.
Arrumei outra pasta nova para guarda-las melhor (as cartinhas que não voltam mais!), e só depois de abrir e ler tudo com atenção, brilho e lágrimas nos olhos, fui organizando cada uma numa espécie de arquivo pessoal, empilhadas de acordo com datas ou formatos (cartas, cartões, papeis soltos), todas numa composição perfeita para bisbilhotar outra vez daqui a uns quinzes anos – não sei se resistirei a minha ansiedade e tamanha tentação em abri-las até lá – não que eu goste de revirar o passado, mas gosto de imaginar cenas, casos, a vida de cada um, como a construção de uma novela, com todas as fases, até o clímax e o desfecho dos personagens.
Agora, todas já estão guardadas, limpas, quase intocáveis. À espera do tempo!
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