Marcel Camargo

Infelizmente, algumas pessoas são verdadeiras nas suas costas, mas não na sua frente.

Há poucos terrenos onde a verdade possa repousar, visto que quase ninguém se ajuda, quase ninguém se coloca no lugar do outro, quase ninguém fala para a pessoa, mas sim da pessoa, quando ela não se encontra.

Não é fácil encontrar alguém sincero hoje em dia, haja vista a necessidade de ser popular que invade os diversos círculos sociais, bem como as redes virtuais. Há uma competitividade desregrada por todos os cantos e recantos das interações humanas. O mercado de trabalho possui concorrência acirrada, incentivando disputas por promoções, por cargos, por notoriedade e, infelizmente, essa competitividade acaba permeando todos os tipos de relações entre as pessoas.

Com isso, dificilmente se enxerga no outro alguém em quem se possa confiar. Isso porque os indivíduos se veem como não-amigos, como se pudessem ser vítimas de alguma maldade por parte de quem está ali ao lado, afinal, é preciso subir, galgar degraus, ganhar mais, ter mais conhecidos e ser mais amado. Pessoas bem sucedidas são, assim, amplamente invejadas e, a todo custo, há quem queira lhes puxar o tapete, denegrir sua imagem, destruir sua vida.

Poucos ambicionam chegar até onde o outro está utilizando as próprias habilidades, pois grande parte das pessoas inveja o outro e quer tirá-lo dali de cima. Infelizes, descontentes e pautados sobre valores distorcidos, muitos indivíduos pretendem atingir os seus fins, não importando os meios, não importando quantos serão pisados e traídos nesse percurso. E, assim, há poucos terrenos onde a verdade possa repousar, num contexto em que quase ninguém se ajuda, quase ninguém se coloca no lugar do outro, quase ninguém fala para a pessoa mas sim da pessoa, quando ela não se encontra.

A ingratidão, aliás, é um grande agravante dessa situação, uma vez que muitos se esquecem de se contentar com o quanto já progrediram e conquistaram, pouco se importando com o emprego que possuem, com os amigos que os cercam, com as pessoas que os amam. Tornam-se incapazes de serem gratos pelo que já faz parte da sua vida, enquanto apenas cobiçam o que os outros têm, invejando, maquinando formas de acabar com a felicidade alheia, sem se darem conta do tanto de felicidade que já podem abraçar, bem ali à frente e dentro de si.

Por isso tudo é que a sinceridade vem se tornando artigo raro, de luxo, ao passo que cada vez menos nos sentimos confortáveis ao confiar em alguém. Vamos engolindo nossas verdades, guardando dentro de nós o que precisaria ser compartilhado, carregando pesos que atravancam nossa libertação, nossa potencialidade em ser feliz. Por isso tudo é que devemos manter por perto quem sabe ser verdadeiro sem agressividade, ser amoroso sem cobranças, ser o que é, na frente, ao lado, por trás, onde estiver. É com eles que conseguiremos atravessar as tempestades sem o desespero da solidão acompanhada.

Imagem de capa: YuriyZhuravov/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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