Na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, pesquisa investiga a repercussão do trabalho dos professores sobre sua vida cotidiana e as consequências nos processos de saúde e doença. A análise revela que os professores percebem uma invasão nociva do trabalho na própria vida pessoal, na forma de um vínculo contínuo com a profissão ou com algum abalo sofrido em sala de aula, como a perda de autoridade. Esses vínculos levam a um estado de sofrimento e indisponibilidade prolongada que prejudica a convivência familiar e social, além da própria recuperação para o trabalho, podendo causar adoecimento.
O estudo, descrito na tese de doutorado Quando o trabalho invade a vida: um estudo sobre a relação trabalho, vida pessoal cotidiana e saúde de professores do ensino regular e integral de São Paulo, é de autoria do cientista social Jefferson Peixoto da Silva, sob orientação da professora Frida Marina Fischer, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP. Segundo o pesquisador, a revolução tecnológica e as mudanças no mundo do trabalho têm levado cada vez mais trabalhadores a realizarem parte das suas atividades em contextos que vão além dos seus domínios laborais tradicionais, chamando a atenção para os possíveis efeitos desta dinâmica sobre a saúde.
Jefferson observou que diversos estudos apontam para um cenário de precarização e recorrentes casos de adoecimento entre os professores, mas o modo como o trabalho repercute sobre sua vida pessoal cotidiana não tem recebido significativa atenção enquanto fator potencialmente patogênico. Isso acontece mesmo considerando que levar trabalho para casa seja algo comum entre eles e que isso se reflita de alguma forma na complexa relação entre trabalho e vida pessoal cotidiana.
Revisão e entrevistas
Para realizar sua pesquisa, o cientista social fez uma ampla revisão da literatura científica existente sobre o tema, além de entrevistar 29 professores de educação básica atuantes em quatro escolas públicas, além dos quatro diretores dessas referidas escolas. Duas delas se dedicavam ao ensino regular (uma municipal e outra estadual), enquanto as outras duas, ao ensino integral (ambas estaduais). A idade dos participantes variou entre 29 e 61 anos e o tempo de experiência na docência entre um e 37 anos, sendo o público predominantemente do sexo feminino. Esse material foi analisado sob a perspectiva das teorias da Saúde do Trabalhador e psicodinâmica do trabalho, recorrendo também a pressupostos da clínica da atividade, da ergonomia da atividade e da antropologia da saúde.
A revisão de literatura revelou um conjunto de 155 estudos sobre trabalho e saúde dos professores publicados nos últimos 20 anos, com aumento dessas obras nos últimos dez anos. A análise configurou o seguinte perfil: transtornos e problemas de saúde típicos; condições de trabalho e saúde; qualidade de vida; trabalho, carreira e fundamentos da ação docente. A codificação das entrevistas, por sua vez, conduziu a cinco categorias temáticas: tipologias da vida cotidiana; prazer e sofrimento no trabalho; estratégias de conciliação entre vida, trabalho e saúde; percepção, concepção e experiências de saúde e doença relatadas; invasão multiforme da vida pelo trabalho.
Os depoimentos revelaram diversas fontes de sofrimento na vida e no trabalho dos professores. Ao mesmo tempo, também mostram numerosos casos e experiências de presenteísmo (frequência do profissional no trabalho), bem como o emprego de estratégias visando a conciliar tais dimensões com a manutenção da saúde.
Vida invadida
Após essa análise do material coletado, o pesquisador detectou como resultado principal o fato de que a maioria dos entrevistados demonstrou que sente sua vida ser invadida pelo trabalho de modo nocivo e que essa invasão não acontece de forma única e linear. Basicamente, ela se manifesta por meio de um estado de vinculação contínua com o trabalho (ou com algum abalo sofrido durante sua realização) – do qual o indivíduo não consegue se desligar, por mais que ele tente. Isso gera um estado de sofrimento e indisponibilidade prolongada para si e para o outro que prejudica a convivência familiar e social, além da própria recuperação para o trabalho.
Com base nestes resultados, o pesquisador concluiu que as agressões à saúde vivenciadas pelos professores no trabalho têm se projetado sobre a sua própria vida pessoal e se combinado a fatores de agressão advindos do contexto social. Neste, o desprestígio dos professores é crescente e retorna à escola na forma de perda de autoridade e até rejeição, produzindo frustrações repetitivas que contribuem para instituir um cenário de sofrimento social que se associa à invasão da vida pelo trabalho. Dado o sofrimento de amplitude social e de tipo patogênico que essa invasão multiforme produz, tal fenômeno pode ser considerado como mais um dos elementos que podem ajudar a explicar os recorrentes quadros de adoecimento desses profissionais.
Fonte indicada Jornal USP
Imagem de capa- Pixabay-CC