Por Clara Baccarin
Já me apaixonei por um cantor de música pop.
Já me apaixonei por um perfume e qualquer pescoço virava mote. Já me apaixonei por uma sensação, por um momento, por vários momentos. Por uma situação. Já me apaixonei por uma foto, por um conceito. Já me apaixonei estilo maria-vai-com-as-outras. Já me apaixonei estilo ‘você só pode estar louca’. Já me apaixonei por um corte de cabelo, por um desprezo, por um mistério, por um prazo de validade, por uma impossibilidade e também por todas as portas abertas. Já me apaixonei por um encontro em meio a tantos desencontros. E por um desencontro em meio a tantos encontros. Já me apaixonei por noites de natal fora de época. Já me apaixonei pela ausência. E já me apaixonei pela presença. Já me apaixonei pelas mãos, pelos pés, pela boca, pelo peito, pelo tom de voz, pela falta de marca na cueca ou pela falta da cueca, me apaixonei por um cheiro sem perfume, por um beijo sem aviso, por um acaso sem rotina. Já me apaixonei pelo silêncio, pelo não entender e também pelo de repente entender tudo. Já me apaixonei pelo descaso e já me apaixonei pela insistência.
Já me apaixonei por uma música ruim e por muitas músicas boas, já vivi paixões com pessoas que nunca encontrei e com pessoas que encontro todos os dias. Já me apaixonei por um doce, por um clima, por uma angulação do sol no céu, pelo vento de uma noite boa, por uma garrafa de bebida, por ondas no ano novo, pela areia. Já me apaixonei pela terra roxa e úmida e pelo lago cheio de peixes, e pelas minhocas e pelos pintinhos e pelo leite morno da vaca e pelo cavalo, por muitos cavalos e até pela cobra que trazia tantas histórias, me apaixonei pela caixa lotada de borboletas e pelas flores amarelas que ficavam na entrada do lugar pelo qual eu era apaixonada. Já me apaixonei por canto de grilo e por grama molhada. Me apaixonei por cheiro de caderno, por estojo novo, por amigos, pelas crianças, pelos quintais. Pelo mundo. Pelo imaginar. Já me apaixonei pela xuxa. Já me apaixonei por um drama, me apaixonei por querer ser como a moça boba daquelas tantas novelas. Me apaixonei por uma dança, por alguns livros, por filmes, por comidas, tantas comidas, por uma torta húngara. Me apaixonei por um idioma. Me apaixonei por uma taça de vinho branco, pelo dedão do pé tocando um oceano que eu não sei qual é. Me apaixonei pelo inesperado e foi devagar porque meu coração sempre demora para compreender milagres. Me apaixonei por uma casa. Me apaixonei por um vestido, por um barulho no celular, por uma atitude, por carência, por coragem, por liberdade, por ideias, por ideais, por egos, por gozos, por excessos, por faltas, por leveza, por amor, por vontade de viver mais, por vontade de renascer, ou por puro masoquismo. Me apaixonei acordada e me apaixonei dormindo. Me apaixonei cega, e também me apaixonei sóbria e cética. Já me apaixonei liquida e já me apaixonei desértica. Já me apaixonei por um país, por uma cidade, por umas férias, por uma semana. Por uma barraca furada. Por uma praia. Por uma frase dita debaixo d’água. Por olhos. Quatrocentos e cinquenta mil olhos. Já me apaixonei por um tronco fácil de árvore, por coelhos e gatos. Nunca me apaixonei por sapatos. Já me apaixonei pela estrada. Me apaixonei por histórias. Setecentos e noventa mil histórias. Já me apaixonei por um sorriso torto, por uma pinta, por uma marca de nascença. Já me apaixonei por palavras, por letras, por poemas, por metáforas, por ritmos, por palavras. Me apaixonei antes e até o fim por palavras, palavras de refazer o mundo, como qualquer paixão. Me apaixonei por escrever, por sentir, por perceber que é só no estado de paixão que tudo compreendo e tudo deixo de compreender.
Eu me apaixonei, eu me apaixono, eu me apaixonarei.
Amém
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