Faz muitos anos que conheço Jeri. Vim a primeira vez quando os pacotes de viagem misturavam Jericoacoara com Morro Branco, Cumbuco e Fortaleza, tudo naquele combo de uma semana que você parcela em dez vezes sem juros e fica nas melhores pousadas da região. Eu gostava de praia, mas quando cheguei nessa vila de pescadores, me apaixonei. Eram quatro ruas de areia, sem postes de luz, cheias de restaurantes lindos e bem decorados que dividiam espaço com lojas de artesanato local. Andando pela praça principal, se ouvia todas as línguas e sotaques. Um pedacinho do mundo bem no nosso Brasil, que na época elegi como o lugar mais lindo do mundo.

Quase uma década depois, voltei. Eu não era mais a mesma (já tinha conhecido e elegido outros “lugares mais lindos do mundo”), mas ainda guardava a boa lembrança daquele pedacinho de céu na terra que tinha feito meu coração bater mais forte no passado. Eu já não era pousadas nutella, agora preferia albergues raiz com mais simplicidade no alojamento, porém com mais variedade de hóspedes e relações humanas. A nova Jeri me desapontou. O comércio tinha tomado conta de tudo, o litoral era todo de investimentos gringos e os hotéis luxuosos soterravam a magia daquele paraíso, transformando uma paisagem única em apenas mais uma praia do nosso Nordeste.

Não satisfeita, um ano depois dessa última experiência na moderna Jericoacoara, resolvi me mudar pra cá. Afinal, investimento nenhum cobre a maestria da nossa diversidade cultural brasileira, e eu sabia que a encontraria de novo por aqui. Quando cheguei, vi guarda-sol por todo lado, parecia Copacabana. Até a orla tinha sido tomada pela única coisa que importa nesse século: gerar receita.

De peito aberto, dei uma chance para a vila vítima do capitalismo. E foi a minha melhor decisão. Entre um beco e outro, você encontra o mineiro que abandonou tudo e faz o melhor pão de queijo com carne de panela da vida. Se olhar com a atenção, vai ver que a dona do Açaí por kilo é na verdade uma curitibana que estava cansada da violência da cidade grande, fez as malas e hoje trabalha sorrindo atrás do caixa. Ou a garçonete do restaurante árabe que fala um português perfeito mas enche o peito pra dizer que é de Mar del Plata, Argentina. O restaurante famoso de culinária internacional tem um chef de cozinha peruano, que aliás tem uma mão mágica para temperos. O dono do bar bonito da esquina é – adivinhem – um italiano stressado e sorridente. A tia da tapioca veio de Goiânia, dez anos atrás, e diz que daqui não sai. O recepcionista do hotel era um executivo farmacêutico da doida São Paulo que largou tudo pra trabalhar de bata branca e chinelo. Se você pergunta se ele se arrepende, ele sorri e diz: “Hoje tudo que eu tenho cabe numa mala de 20 kilos, e eu nunca fui tão feliz”.

Jeri é uma vila que ainda tem quatro ruas principais, mas que hoje se expandiu. As vielas conhecidas hospedam hotéis, pousadas, galerias e restaurantes, e a parte de trás ficou com os moradores. Os que nasceram aqui viram a prefeitura dar de graça os terrenos que hoje valem muito, então eles se adaptaram. Se você anda 500 metros além do burburinho, encontra uma miniatura do sertão do nosso país. Lugar de gente simples, sem luxo, dormindo na rede e fazendo churrasco na calçada com os vizinhos. Os quartos são pintados e mobiliados para os aluguéis da alta temporada que – pasmem! – dura oito meses aqui, de julho até o carnaval. O motivo de tantos meses atraindo turistas ainda é graças à natureza: ventos que atraem kite e windsurfistas de todo o mundo, e brasileiros que, desinformados, acham que Jeri é apenas o que se vê nas fotos: redes molhadas em lagoas naturais e um pôr do sol visto da duna na praia principal.

Essa vila encantada é muito mais do que se promove por causa do turismo. É um pedacinho de um parque nacional que, mesmo com tanto investimento, ainda se mantém preservado. Não é só uma praia, é uma pequena parte do mundo que se misturou e convive aqui, nas ruas de areia, dividindo espaço com iguanas, burrinhos, bois, gatos, cachorros, passarinhos coloridos, lagartos e outros bichos que ainda não aprendi o nome.
Aqui não tem caixa eletrônico, não tem onde comprar um secador, mas tem cuscuz com ovo e iogurte caseiro fresquinho toda manhã. Tem brasileiro de todo canto, tem estrangeiro de todo canto. Tem nativo que aprendeu espanhol de tanto fazer caipirinha pra argentino, tem francês que aprendeu português porque se apaixonou por uma brasileira, tem crocheteira que coloca amor em seu artesanato, tem dona de casa que vai pro fogão todo dia e de tarde monta uma barraquinha na praça pra vender aquela comida de mãe, tem forrozeiro que canta samba, sambista que enrola no rock, rockeiro que aproveita a guitarra e arranha no sertanejo.

Aqui tem de tudo e de todos.

Jeri não é apenas um paraíso natural.

Jericoacoara é pra quem gosta de gente.

Ana Carolina Faria Bortolo

Turismóloga e Administradora de Novos Negócios por formação. Escritora, pintora e dançarina por vocação. Planejadora de eventos, bartender, agente de viagens e vendedora por profissão. Garçonete de navio por opção. Vi o mundo e voltei, e de todos os rótulos que carrego na bagagem, só um me define bem: sou uma ótima contadora de histórias.

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