Por Tatiana Nicz
Há alguns anos, quando estava assistindo um de meus seriados favoritos a protagonista se questionou algo parecido com: Como nós conseguiremos planejar um futuro se passarmos todos os dias “carpediando o diem”?* A pergunta dela me deixou com aquele sentimento de “é isso aí!”, igual acontece quando alguém consegue traduzir em palavras algo que para você faz muito sentido.
Um Stephen Hawking ateu disse: não é Deus que te proporciona o que você quer, é você mesmo. O universo é um imenso de um “free lunch”. Isso foi uma das suas grandes conclusões após uma vida dedicada a unificar conceitos da física, caçando buracos negros e buscando as respostas no Universo para os maiores questionamentos da humanidade. Em resumo, quer dizer que tudo é energia e essa energia está disponível para todos basta saber acessá-la. O que disse Hawking não é muito diferente do que diz também a Física Quântica. Existe uma lei simples no Universo chamada de “lei da atração”, em resumo significa que o que você pensa e quer você atrai para si (e isso serve também para coisas negativas). Como nos ensinam desde sempre que ter seus desejos realizados é algo realmente grandioso e é a fonte da felicidade, que é no fundo o que todo mundo busca, documentários e livros como “O Segredo” se tornaram rapidamente sucesso de vendas, pois eles ensinam como fazer uso dessa lei para conseguir tudo que você deseja: relacionamentos, bens, posses, sucesso, enfim, tudo.
Eu sei disso não só porque li livros (que hoje já não me servem) como Paulo Coelho ou “A Profecia Celestina” ou “O Segredo”, mas porque desde pequena, muito antes de ler qualquer desses livros, sempre consegui o que queria. Escolhi meu primeiro amor, depois escolhi o segundo também, talvez o terceiro. Claro, hoje tenho um conceito diferente de quando jovem sobre amor. Escolhi também diversos destinos e todas as etapas que construiriam meu currículo profissional, mesmo quando decidi mudar de profissão.
Escolhi, por exemplo, onde iria fazer meu mestrado e levava na agenda o anúncio do programa puído, já quase rasgando de tanto desdobrar e dobrar e que guardava em minha agenda. Por vezes eu o desdobrava, olhava e me imaginava estudando lá, falando assim parece que foi mesmo como um passe de mágicas que em poucos anos embarquei naquele avião com destino à Amsterdam, pago por uma bolsa de estudos que me foi premiada pelo governo holandês. Claro que para isso tive que me inscrever, conviver com a derrota de não passar até ser chamada novamente; aliás, vivi os altos e baixos de todo o processo em todas as minhas conquistas, então não dá para tirar meu esforço de nenhuma delas, mas é certo que antes de tudo eu sempre pedi.
Quem está lendo isso deve achar que isso é mesmo algo maravilhoso, mas o que eu quero dizer é justamente o contrário. O que mais me lembro dos anos que fiz meu mestrado foi que me sentia infeliz. Na verdade nenhuma das minhas conquistas me fez mais feliz, a distância que existia entre o querer e o ter sempre me deixava ansiosa, com medo de não conseguir e como acontece com quase todas as pessoas, quando conseguia realizar um desejo, imediatamente começava a pensar que não era exatamente aquilo que eu queria ou tinha imaginado e logo queria algo diferente. Sim, porque tem isso também, a realidade é sempre diferente da expectativa. No caso dos relacionamentos era pior ainda, eu não me sentia merecedora de um amor pelo qual havia pedido, aquilo não fazia sentido nenhum para mim. Além do mais, enquanto desejamos que o outro seja da maneira que queremos, não existe espaço para ele ser apenas o que é. Então o que existia mesmo era a imagem construída na minha mente do que eu queria que o outro fosse, mas não era. E com isso obviamente todo mundo sofria.
Esses dias eu li um belo texto que temos que ensinar nossas crianças o poder da espera. Sim a espera ativa é uma dádiva e nossas crianças não sabem mais esperar. Mas, como tudo na vida, antes de ensinarmos algo, precisamos aprender tal coisa, e o fato é que eu não sabia esperar, porque ninguém faz nada consciente quando está concentrado apenas no resultado final. E era um apego tão excessivo aos resultados que eu me esquecia de viver a jornada. Um dia uma amiga disse: você não sabe esperar o destino acontecer. E é bem provável que ela estivesse certa, acontece que eu não apenas não sabia como também não queria. Eu queria controlar tudo e estava tão concentrada nisso que perdi uma parte importante de minhas grandes jornadas: a jornada per se.
No primeiro dia de aula do tal mestrado, a professora e coordenadora, certamente uma das melhores que já tive em minha vida, finalizou as primeiras apresentações com muito entusiasmo e um belo sorriso dizendo: “It´s the journey!”. Os olhos delas brilhavam e a paixão com que as palavras saíam de sua boca era algo realmente inspirador, eu não sabia como ela fazia aquilo, mas precisava descobrir porque era isso que queria para mim, a palavra é essa mesmo: entusiasmo. A palavra entusiasmo vem do grego e originalmente significava inspiração pela presença de Deus, ou ainda, viver com a presença de Deus em si.
Hoje, passados sete anos, acho que finalmente entendi o seu grande segredo: viver o presente com entusiasmo, ou seja, com Deus presente em si. Entendi algumas coisas quando visitamos o tal lugar mágico do qual ela falava com a mesma paixão que proferia sobre paradigmas do turismo, o único bem que possuía: um chalé simples situado numa ilhota em pleno Mar Adriático, na costa de seu país Croácia. Talvez esse entusiasmo seja algo inerente aos croatas, porque quando estava lá soube de um programa do governo que ensina as crianças nas escolas sobre gentileza e a importância de sorrir. Hoje, ao lembrar de todo seu entusiasmo, realmente não acredito que em algum momento de sua vida ela tenha pedido por todo aquele reconhecimento, até porque tinha muita coisa trabalhando contra ela: é mulher proveniente de um país “periférico” e por isso teve que construir seu espaço em um universo dominado por homens nascidos nas maiores potências mundiais. O que ela sabia era aproveitar a jornada. Hoje também sou uma professora entusiasmada com meu ofício e em homenagem à ela (ou talvez para eu nunca esquecer) repito o mesmo para meus alunos: “it´s the journey!”
Em inglês o verbo ser se mistura ao estar: se sou, estou (e não se quero, sou ou se tenho, sou). Pensando em tudo isso, finalmente me senti preparada para me aprofundar na prática do budismo. O budismo sempre me pareceu algo muito bonito assim como inacessível. Parecia um simples muito complexo e era o oposto de tudo que eu era. Palavras como estar e presente, desapegar, meditação, paciência pareciam simplesmente intangíveis para mim. Mas apesar de eu não desejar mais o ter, eu ainda tinha o desejo de mudar, de ser. Entendi então que só existe uma maneira de saborearmos esse tal “free lunch”, é estando inteiramente presente em qualquer ação e assim fazendo uso de todos os sentidos. Sim, uma coisa por vez. Pois é, em mundo moderno e altamente conectado, isso é quase uma missão impossível. Nós não fazemos nenhuma ação isoladamente. Não comemos apenas, nem dirigimos apenas, nem nos exercitamos apenas. Sempre são ações combinadas que sem perceber não nos permitem usar todos os sentidos para desenvolvermos prazer em tal ação.
Mas a verdade é que, ao contrário do que nos ensinam, não somos multi-tasks (multi-tarefas), nós fomos programados sim para fazer uma coisa de cada vez, e hoje também desconfio que mais ainda para ter um círculo bem menor de amizades do que atualmente nutrimos. É desafiador, mas não é impossível, precisa de treino, muito treino. A recompensa é que quanto mais eu comecei a me concentrar para fazer uma coisa de cada vez, menos ansiosa fiquei, menos desejos tive e também desenvolvi uma dificuldade maior em absorver muita informação ou fazer muitas coisas ao mesmo tempo o que naturalmente ajuda no processo de fazer uma coisa por vez.
Além do mais, nós nascemos com tudo que precisamos para viver bem, dons, talentos e o poder de sentir, de ter emoções, que é inerente à todo e qualquer ser. Através do desenvolvimento e aprimoramento de nossos dons e talentos podemos exercer um ofício que nos dê conforto para viver. Acredite! Isso é suficiente, o que você é/está pode te bastar. O mundo não vai acabar se você desligar seu telefone enquanto come, por exemplo. Também não precisamos nos informar de tudo, ler tanto, nem saber muito a mais do que sabemos, nem ter mais do que temos. Então aprenda a se desconectar, acalme seu coração e confie. Quando não sabemos confiar ou esperar, não nos beneficiamos totalmente da beleza que reside no acaso, que aliás também podemos chamar de presente, um grande presente do Universo para nós. É novamente no inglês que encontrei uma palavra que define isso: serendipity**. O feliz acaso. Sim, a espontaneidade também é um bom ingrediente para a felicidade, aquilo que acontece de repente, sem pedido, plano ou controle.
E foi assim que, muitos anos depois, descobri a resposta para pergunta do início desse texto: como vou planejar um futuro enquanto estiver vivendo no presente? A resposta é que você tem tudo e não precisa planejar nada, muito menos passar metade de seus dias pensando em tudo aquilo que quer ter. Sim: “it´s the journey!””.
*How are we supposed to plan a life? A career? A family? If we are always “carpe”-ing the “diem”? da série Grey´s Anatomy.
** Palavra que minha grande amiga Drika me ensinou.
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