Todo domingo de céu aberto, um grupo de pessoas cada vez maior se reúne para praticar yoga no Parque da Juventude, área verde implantada onde uma vez funcionou o antigo Complexo Penitenciário Carandiru, na zona norte de São Paulo, implodido em 2002.
O encontro, gratuito, é organizado por Juliana Figueira de Souza, 32 anos – ou a “Ju”, como é carinhosamente chamada pelos frequentadores. Há mais de um ano, ela promove religiosamente as reuniões no local por um propósito de vida: compartilhar o conhecimento que adquire com a yoga a quem se interessar, “de forma aberta, livre e democrática”, em suas próprias, e calmas, palavras.
A prática só não acontece em dias de chuva, quando a grama do parque fica molhada, o que os participantes lamentam profundamente, inclusive a Ju: “Quando chove eu fico mal. Para mim não é um compromisso, aqui eu me divirto, eu aprendo. É uma coisa boa. Eu deixo de fazer coisas para vir para cá.”
Yoga ao Ar Livre
Foi pelo Facebook que eu conheci o Yoga ao Ar Livre, nome que a Ju deu para o projeto. Fui a uma das aulas há alguns meses. Gostei tanto da proposta e vi tanta entrega de Juliana ao trabalho que fiquei com vontade conhecer sua história.
Essa vontade aumentou quando ela compartilhou um depoimento no Facebook dizendo ter iniciado o projeto após passar por uma fase muito difícil da vida. No post, revelou que a maior beneficiada com a ação era ela mesma. Depois de um tempo, perguntei se ela aceitava contar mais um pouco de sua história aqui pro Vidaria.
A entrevista aconteceu num ensolarado domingo após a aula (entre a aula de yoga da manhã e o grupo de estudos que realiza à tarde, após o piquenique na grama). No intervalo dos encontros, a Ju me explicou com mais detalhes o que a motivou criar o Yoga ao Ar Livre. “No final de 2011, eu tive um fato na minha vida que me marcou demais. Eu era casada, me separei, e essa separação foi bem dolorosa. Estavam envolvidas muitas coisas e eu fiquei bem mal.”
Quando estava bem mal, percebeu que eu tinha duas escolhas: ou afundava de vez e desistia, “abria mão, desistia de tudo, da vida”, ou pegava essa força que estava a empurrando para baixo e a “usava como um trampolim”. Escolheu a segunda opção. “Resolvi usar isso que eu estava vivendo a meu favor. E aí foi quando o projeto nasceu.”
Juliana “juntou todos os caquinhos”, reuniu forças e chamou alguns conhecidos para a primeira prática de yoga em grupo, ocorrida no parque Villa Lobos – a decisão de ir para o Parque da Juventude apareceu depois.
“Eu pensei, se a vida está me dando uma oportunidade de recomeçar, eu vou começar promovendo aquilo que eu quero para a minha vida: eu quero isso, as pessoas tentando ser melhores. Eu quero ser melhor, eu quero evoluir como ser humano.”
Além da aula de yoga, ao final de todo encontro é feita uma grande roda onde todos compartilham reflexões e aprendizados com a prática – que tem sempre um tema voltado ao autoconhecimento como inspiração. No dia da entrevista, por exemplo, o tema proposto foi a “não-violência” (para os outros e inclusive para nós mesmos).
E foi muito boa a sensação de ver as cerca de 60 pessoas (sim, a aula estava bastante cheia!) praticando yoga e discutindo melhores formas de viver na sociedade justamente naquele mesmo local, onde, no passado, foi marcado por mortes e violência. Após a prática, saíram dos participantes percepções como: “Estou 30 quilos mais leve” ou “tive a impressão que acordei com esse exercício. Foi um despertar.”
Propósito
A Ju explicou que teve o primeiro contato com a yoga aos 16 anos. Ela sofria de problemas respiratórios e os exercícios de respiração foram indicados para ela pelos médicos. Não parou mais. Aos 21 anos fez o primeiro curso de formação na área (já foram três). Ela disse que também estudou magistério e fisioterapia, cursos que dão respaldo a ela no dia a dia da profissão. Hoje ela “respira” o yoga 24 horas por dia: trabalha como professora de yoga particular, com terapia Ayurveda e produz mandalas. “Então é tudo uma coisa só, eu uno todo esse conhecimento para um propósito de vida.”
Juliana disse ser difícil dar uma resposta sobe o sentido da vida, mas arriscou que seja entrar em contato com a nossa verdadeira essência. E explicou: “Sabe quando você está trabalhando com uma caneta na mão e por distração você esquece a caneta, coloca no bolso e depois fica igual uma doida procurando a caneta, só que ela está no seu bolso? É a mesma coisa. A essência já aqui, mas a gente se distrai com todas essas coisas. E aí a vida é aquela que te fala, cara, tá aí ó, dentro de você, é só despertar. É esse o sentido da vida, é a gente entrar em contato com a nossa verdadeira natureza.”
Avaliou, contudo, que encontrar essa essência, livre de máscaras e julgamentos, não é nada fácil. “Acho que não é nem para essa vida. Isso aqui é só o ensaio… Mas só o fato de a gente estar tentando… Eu não me preocupo mais aonde eu vou chegar. Eu quero caminhar, entendeu? Só o fato de a gente estar caminhando, acordar no domingão para olhar para dentro, já está de bom tamanho!”
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