Liberte-se dos cafajestes de plantão

Todos conhecemos alguém que sempre se relaciona com pessoas que nada têm a oferecer, além de sofrimento e decepção. Fazem de tudo para tentar manter um relacionamento que já iniciou com solidão, para tão logo adentrarem em relacionamentos sucessivamente desastrosos. Esquecem-se de um preceito básico quando se trata de amor: a entrega é uma via de mão dupla, nunca uma jornada solitária e aviltante.

É fato que a paixão chega de repente, sem marcar hora, e nos arrebata os sentidos, de forma célere e avassaladora. De início, costumamos enxergar tão somente características positivas no amado, pois o torpor ainda cega nossa lucidez demoradamente. Mas o tempo – o dono da verdade – acaba desnudando as aparências e nos mostrando o outro em tudo o que ele verdadeiramente é. Ninguém engana e se engana por muito tempo, a menos que se queira.

Com o tempo, todos nos mostramos como realmente somos, em tudo de bom e ruim que preenche nossa essência, e assim é que vamos permanecendo na vida de uns e saindo da vida de outros. No entanto, há quem teime em lutar por manter um relacionamento sufocante, enganoso, ou mesmo violento, como que cronicamente tolhido de visão e de lucidez. Por mais que aconselhemos, essas pessoas não ouvem a ninguém mais, apenas agarrando-se a esperanças vãs, afundando-se na utopia de uma paixão que já morreu e de um amor em nada recíproco.

Essa dependência sentimental ao que faz mal talvez esteja relacionada ao fato de ser difícil deixarmos de lado certas coisas com as quais estamos habituados. De certa forma, o conformismo exagerado diante dos acontecimentos acaba tornando-nos seres passivos, isentos de vontade e de amor próprio. Resignar-se frente ao que não pode mudar ajuda-nos na aceitação necessária frente a certos aspectos da vida, no entanto, aceitar passivamente a miséria emocional a que o parceiro nos isola implica deixar de existir por conta própria, um não-existir que nos anula a capacidade de agir em nosso favor.

Ir ao encontro da construção do amor deve sempre ser algo prazeroso, terno, surpreendente, uma viagem repleta de descobrimentos e partilhas. Caso contrário, estaremos nos lançando perigosamente a uma jornada de entrega solitária, de perdas somente, diminuindo nossa capacidade de sonhar, de ter esperança, de sermos felizes a cada dia. Vale estarmos seguros quanto aos nossos desejos e ao que desejamos para nossas vidas juntos a outro alguém, pois abrir mão de nossa essência em favor de caminhar com alguém sufocadamente e anulados em nossa dignidade significa a não valorização de nós mesmos, imprescindível a que não nos percamos em meio às escuridões alheias.

Atraímos energias que se assemelham ao que estamos sentindo. Caso estejamos incertos quanto à qualidade do amor que devemos – e merecemos – receber, estaremos vulneráveis a nos entregar ao que não nos completa nem acrescenta, pois não nos mostraremos prontos e seguros para sermos felizes junto a alguém. Dessa forma, acabaremos colocando para dentro de nossas vidas os cafajestes de plantão. Afinal, quem não se ama, não será capaz de amar e de ser amado com verdade, pois ninguém pode trazer felicidade para alguém que não se permite ser feliz. Não se deixe transformar em um para-raio de tranqueiras; você não merece isso.

É preciso, portanto, cultivar as certezas quanto ao que almejamos, ao que podemos oferecer e merecemos receber em troca. A vida a dois exige renúncias e aceitações, mas isso não significa, de forma alguma, renunciar à própria dignidade, tampouco aceitar meias verdades. O amor requer trocas inteiras, pois preenche-se de amplidão, da soma de inteirezas honestas e de almas cúmplices.

Somente a coragem de percebermos quando o relacionamento chegou ao fim nos oportunizará o fortalecimento das convicções que nos alimentarão em nossas entregas, a quem mereça tudo o que tivermos para dar e assim nos retribua com tudo o que temos por direito receber. Não aceitemos, enfim, menos do que a completude alheia, ou estaremos fadados a sofrer por amor injustamente, bem como permaneceremos, ainda que acompanhados, imersos em solidão.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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