Já foi dito que a revolução começará na rede, ou será feminista, ou não será televisionada. Bem, tendo em vista o lastro da internet nas últimas duas décadas, há de se crer que acontecimentos importantes realmente serão prenunciados nas redes sociais e na internet como um todo. Sei que descobrir como atrair mais curtidas e seguidores nas redes sociais tem sido o trabalho e a vida de muitos, mas fico um pouco na contramão. Tenho preguiça de hashtags, e não é porque não tenho twitter ou instagram, pois tenho Facebook e lá isso também é usado. É preguiça de fato.
Enchi o saco de repercutir tudo o que chega até mim pelo simples fato de ser sucesso de compartilhamentos. Compartilhar pedidos de engajamentos é um caminho, mas grande parte dos internautas não se engaja em nobres causas de fato. Os motivos são muitos. Animais? “Amo, mas não tenho tempo e dinheiro para cuidar”. Lar de idosos? “Trabalho lindo, mas não tenho dom suficiente para lidar com esse público”. Deficientes físicos ou mentais? “Gostaria muito de envolver-me, mas falta tempo para isso”. Preservação do planeta? “Necessário demais, mas já estudei o que é o efeito estufa desde o ensino fundamental”. Basta.
Tenho duvidado do alcance de muitas campanhas virtuais, e não pelo número de visualizadores, obviamente, mas pelo número de agentes de fato. Nesse meio suspenso que é o virtual, a polifonia é gritante, ou seja, há muitas vozes dizendo o que fazer, como ser, e isso causa muita confusão. Para piorar, na internet essas vozes são invisíveis e enganosamente redentoras. Seja através da publicidade clássica – que engana atribuindo (falsas) necessidades às pessoas – ou a profusão de ideias que podem ser multiplicadas em segundos e em escala global, sejam elas boas ou más.
De forma enganosa segue muitas vezes a militância virtual. Compartilhamos posts pedindo ajuda para uma causa qualquer e logo nos sentimos mais humanos por isso. Não, não somos. Tudo ilusão. Seria humano ajudar e agir em prol de forma um pouco mais real. Replicar um pedido para algo que faz parte da vida de quem compartilhou, como uma extensão do que o sujeito naturalmente faz. Depositar uma grana se você pode. Ir lá e arregaçar a manga, se for viável e próximo. Convocar os amigos e proporcionar uma ajuda à distância, mas real. Falar com quem pode ajudar e intermediar isso, enfim.
É gostoso pro ego sentir-se mais nobre sem praticamente nenhum esforço, sem uma mudança de atitude que leve a isso. Como disse Rita Lee em seu Dropz, lindo livro de poemas que ela fez para os pequenos, “não há lugar mais perigoso do que dentro da nossa zona de conforto”. É maravilhoso e humano ser sensível, mas ser alguém melhor e mais virtuoso exige sair da estaticidade, do conforto do egoísmo e empreender certo esforço, às vezes até total mudança de comportamento. Só vontade não basta. Ter pena só servirá de algo para uma ave. Para seres humanos, no way.
Ainda acredito no velho colocar a mão na massa, mas hoje em dia isso pode significar começando por colocar a mão no teclado também. Temos boas exceções na internet como exemplo. Se feita com boa intenção, profissionalismo e planejamento, a militância virtual (mesmo a não admitida) pode ser o prenúncio de uma melhoria real na vida prática das pessoas. Exemplo disso são– além dos pedidos de contribuição diretos e isso é uma visão bem particular – sites educativos, informativos e jornalísticos com amplo e bom conteúdo, profissionais ou técnicos, institucionais, de financiamento coletivo, aplicativos com serviços mais baratos ou gratuitos, sites ou aplicativos para promover a ajuda mútua ou a troca de serviços e de moedas não monetárias, dentre outros.
A militância nem sempre vem com uma bandeira empunhada nas mãos. Ela é a junção da boa intenção e da boa prática de lutar por aquilo em que acreditamos, seja no amor, seja na comida nutritiva que colocamos à mesa. E aí, onde está a sua militância?
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Imagem de capa: cartunista Tigre.