Com produção e fotografia impecáveis, narrativa lenta e poética, o filme “Lore” conta a saga de uma garota em busca de abrigo e segurança. No pós- segunda guerra, quando o exército alemão entra em colapso e os aliados ocupam a Alemanha, os pais de Lore são presos e de repente a jovem menina se descobre sozinha com quatro irmãos pequenos. A missão dada à Lore por sua mãe, é seguir viagem e atravessar a Floresta Negra até a casa da avó materna onde eles encontrarão segurança.
O mais intrigante nessa narrativa é a confusão de sentimentos em que Lore se encontra. Lore fica confusa e vai perdendo a capacidade de enxergar os fatos como são e de identificar o que sente ao dar-se conta de que tudo que ela acreditava ser certo e bom era mentira.
Talvez isso esteja ainda mais claro, quando ao longo do caminho, a menina depara-se com um estranho (que se apresenta como Thomas) e que a ajuda a completar tão árdua travessia. Como ela perde a capacidade de confiar no que sente e nos seus sentidos, ela passa a ver maldade em todos os homens e soldados e não consegue enxergar o bem que Thomas faz. Em várias cenas fica nítido o conflito interno de Lore e a confusão de sentimentos que ela vivencia. Uma das cenas em que esse fato é bem evidente é quando Lore, em prantos, confessa a Thomas que enxerga todos os outros homens nele e que todos mentem.
A perda (e a importância da recuperação) da capacidade de identificar o que sentimos e o que necessitamos, é um fenômeno já estudado em algumas linhas da psicologia, como a Gestalt-terapia. Quando o que vemos não é confirmado, quando o que ouvimos, não é validado, quando nossos sentimentos não são reafirmados, aos poucos vamos nos desconectando de nossos sentidos. Lore não consegue ver em Thomas bondade, mesmo gostando dele, mesmo quando os olhos dela enxergam as atitudes dele (que vão de encontro ao que é melhor para ela e seus irmãos), porque ela desaprendeu a acreditar no que vê e no que sente com relação ao que vê.
Talvez a dificuldade de confiar no que sentimos aconteça porque somos condicionados desde muito cedo a não acreditar no que vemos, ouvimos ou sentimos. Muito provavelmente porque os adultos são tão incoerentes para a compreensão de uma criança que seus sentimentos raramente podem ser validados. Fora isso, em um mundo tão cartesiano, é quase como se não fossemos permitidos a sentir aquilo que não conseguimos explicar de maneira racional.
O problema em tudo isso é que tudo que sentimos gera uma necessidade vital em nosso organismo que precisa ser atendida. Assim, quando perdemos a capacidade de identificar o que sentimos, passamos também a não saber mais identificar quais são nossas verdadeiras necessidades com relação ao que sentimos. E ao desconhecermos nossas necessidades autênticas acabamos suprindo-as de maneiras não-autênticas.
Dessa maneira, comemos quando estamos tristes (e talvez só precisamos de um abraço), bebemos quando precisamos chorar, falamos demais quando estamos nervosos. Ou seja, em vão tentamos suprir nossa raiva, tristeza, solidão e outros sentimentos tão genuínos com religião e crenças, remédios, drogas, sexo, vícios. Passamos a anestesiar sentimentos sem saciar, e muitas vezes nem conseguir identificar, nossas mais genuínas necessidades, que uma vez não saciadas, continuarão sempre latentes.
E, como uma bola de neve, quanto mais anestesiados estamos, mais perdemos a capacidade de identificar o que de fato precisamos. Assim surgem as neuroses e transtornos mentais. A raiz do comportamento neurótico surge da perda da capacidade de saber identificar qual é nossa verdadeira necessidade e como supri-la. Para ter (um pouco de) sanidade, é preciso reaprender a ouvir e a confiar no que sentimentos, é preciso alinhar o que vemos e ouvimos com o que sentimos e o que isso demanda de nós, sem anestesias.
No fim da jornada nota-se que Lore encontra amor, mas não consegue amar; encontra segurança, mas não consegue se sentir segura; encontra alegria, mas não consegue alegrar-se. Porque ela não consegue identificar o que necessita, porque teve sentidos e sentimentos invalidados, porque, assim como muitos de nós, ela perdeu a capacidade de confiar no que sente.
*Em agradecimento a psicologa Yara Gualda Carneiro do Instituto de Gestalt de Curitiba, que me recomendou esse belíssimo filme e alguns pontos essa leitura.
Imagem de capa: Reprodução
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