Ivonete Rosa

Mãe, quando a vida me machuca, desejo o seu colo

Mãe, eu tô com tanta saudade. O fim de ano chegou e daqui a pouco será natal, aquela data que me roubou a senhora.

Eu sinto muita falta do que vivemos, mãe, cenas que pareciam tão corriqueiras, mas que hoje se agigantam aqui dentro de mim, em forma de saudade. Lembro de nós molhando a horta na beira do rio com aquela cuia de cabaça, eu era uma menina e a senhora era uma mulher forte, bonita, com aqueles cabelos longos e negros, vestida naquele vestido florido que marcava bem a sua cintura fininha.

São várias cenas que tenho tatuadas em forma de saudades, em várias fases da minha vida. Eu amava ouvir a sua voz falando com os animais pela manhã enquanto eu curtia preguiça na cama. A casa já estava toda aquecida pelo fogão a lenha, e o cheiro do seu café fazia daquela casa tão simples o lugar mais aconchegante do mundo.

Eu amava me deitar no banco e colocar a cabeça em seu colo enquanto a senhora mexia nos meus cabelos e dizia ‘você herdou os meus cabelos grossos”. As suas mãos tinham uma textura única, mãe, eram ásperas, mas ao mesmo tempo, aveludadas. A senhora não era muito sorridente, mas quando sorria, dava gosto de ver porque sorria com os olhos também.

Ás vezes, quando escuto um trovão, viajo no tempo e me lembro da sua paixão pela chuva. A senhora era extremamente sensível para perceber as mudanças do clima, parece que era especialista nisso. Conseguia prever com precisão se ia chover, se ia estiar, se seria chuva mansa ou de vento.

Eu me lembro da senhora me esperando no quintal quando eu ía te visitar. De longe eu a avistava  com um lenço colorido na cabeça, olhando para a estrada porque tinha ouvido o barulho do meu carro. O seu abraço era o mais gostoso do mundo, mãe…inigualável. Eu dizia ‘bênção, mãe’ e a senhora respondia “Deus te dá boa sorte, minha fia’. E era uma bênção aqueles dias ali na roça em sua companhia. Meu filho pequeno brincando com os cachorros, os gatos e as galinhas, aquele sossego, a sua comida, a noite estrelada, os berros das vacas no curral, a chuva no telhado que o  meu pai fez. Aquilo era a felicidade plena, mãe, e eu não tinha muita consciência daquilo, mas, hoje eu tenho essa convicção.

Lembro-me das nossas despedidas, sempre, nas vésperas de eu regressar, a senhora dizia ‘amanhã, nessa hora a casa vai estar vazia’ e fazia uma cara tristinha. No dia seguinte, eu e o meu filho nos despedíamos e a senhora sempre ficava com o rostinho molhada de lágrimas, muitas vezes eu esperava entrar no carro para chorar porque não queria te deixar  mais triste do que já estava. Até que chegou o dia em que voltei da roça sem ter como me despedir da senhora, pela primeira vez, acelerei sem ver aquela velhinha linda pelo retrovisor acompanhando o meu carro sumir de vista na ladeira. Deus a levou para ele.  Mãe, eu não suporto mais o natal depois da sua partida.

Mãe, eu tô com muita saudade. Em alguns dias, eu preciso muito do seu colo porque a vida me machuca e eu me canso de fingir que sou forte. Eu queria chorar no seu colo e ouvir as suas palavras de consolo. Eu queria pentear os seus cabelos, fazer uma trança e dizer que me sinto envaidecida quando as pessoas dizem que me pareço com a senhora. Eu queria o seu toque, mãe, ele me faz tanta falta. Eu queria ouvir sua voz, sorrir contigo daquelas bobagens nossas. Hoje já chorei muito, mãe, e fiz esse texto porque precisava extravasar essa angústia. Vou ficar bem, eu prometo.

Ivonete Rosa

Sou uma mulher apaixonada por tudo o que seja relacionado ao universo da literatura, poesia e psicologia. Escrevo por qualquer motivo: amor, tristeza, entusiasmo, tédio etc. A escrita é minha porta voz mais fiel.

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