Denise Araújo

Mãe, senta aqui, eu preciso dizer que você é a melhor pessoa do mundo

Como é difícil falar de você, mãe. Dizer que te amo é pouco. E não é porque coloco-a em um pedestal, em uma figura de santidade ou porque estamos distantes, mas porque você é o grande amor da minha vida, e não há retribuição possível para um amor maior do que a existência. Não saí grandiosa como você na natureza. Sei que não sou bem desenvolta nas atitudes como com as palavras, que às vezes podem sair convencedoras. Gostaria de não ser boa com palavras e ser melhor com o coração, com a resolução das coisas, mas ora falta a maturidade; ora a bondade suficiente para isso. Não interessa. Seja como for, quando e onde, sei que me amará incondicionalmente.

Como é bom ter um amor tão grandioso, que usurpa qualquer tentativa de explicação e faz-se proteção constante. Meu verdadeiro anjo da guarda. Você sacrificou sua vida por mim. Eu sinto que já tenho tudo nessa vida, apesar de anseios e vontades. Sinto-me confortável, protegida, amada e segura para enfrentar a cara dura do mundo, e sabe por quê? Porque tenho você, e quem tem mãe tem tudo.

Você é tão fina, tão grande, tão bondosa e tão nobre que às vezes sinto-me uma perdedora por saber que nunca serei uma fagulha da sua pessoa, tão pura e sem maldade. Ainda que eu muito cresça, muito tente, muito erre, muito sofra, muito aprenda, muito leia, muito mude… É indiferente. Na balança da vida sou eterna devedora do que de melhor deveria herdar desse berço. Aliás, gratidão e berço são duas coisas que dinheiro nenhum no mundo compra.

Você não imaginava o que faria da sua vida. Quando jovem não tinha perspectivas. Odiava crianças. Dizia que nunca seria mãe, e que se um dia tivesse um filho seria capaz de matá-lo. Quanto radicalismo, hein? É de supor que o universo e aquele que o comanda escutaram isso e providenciaram justamente o contrário, então nasceu a melhor mãe que essa terra poderia guardar. Ver-me feliz é um êxito pessoal seu, o maior prêmio por todo o trabalho silencioso que fez e faz até agora. Você agasalhou-me no frio, ensinou-me bons valores, preocupou-se com minhas preocupações mais do que eu mesma (e até hoje continua assim), enxugou minhas lágrimas, incentivou-me quando ninguém o fez e agiu assim até quando sua vontade era de se entregar.

Lembro-me tanto de minha infância e as melhores lembranças são das brincadeiras e de você sempre comigo, porque abriu mão de trabalhar fora para costurar e viver uma vida precária, porém sempre olhando atentamente e com afeto para mim e meu irmão. Mães renunciam a muito mais do que imaginamos para nos criar e nos fazer felizes. Até pouco tempo renunciavam a praticamente tudo, porque a sociedade não permitia ser mulher, mãe e trabalhadora ao mesmo tempo. Muitos diziam que eu e meu irmão não daríamos boa coisa naquela situação de extrema pobreza. Era muito risco, muita droga na vizinhança, muita bandidagem ao redor. O natural seria amargar um futuro de vida miserável e infeliz. Isso na melhor das hipóteses, porque poderíamos morrer violentamente antes dos vinte e cinco anos, como a maioria dos nossos colegas de infância.

Você não vai acreditar, mas uma das melhores lembranças que guardo é de você segurando-me no colo quando eu muito pequena tinha fortes crises de enxaqueca. Crises agudas e longas. Você levava-me no colo até a pia ou a lavanderia, esperava eu vomitar tudo e passar todo o mal estar. Como não tínhamos banheiro com saneamento, era o que dava para fazer. Isso durava todo um dia, às vezes. E hoje eu impaciento-me quando você pede-me duas ou três coisas consecutivas. É duro né, mãe? Por que não herdei esse gene da sua benevolência? Será que o relativo conhecimento que conquistei separaram-me do olhar puro e resignado que só as pessoas mais simples têm? Por mais que eu tente, sou no máximo protótipo parco de pessoa bondosa. É por sua causa que tanto prezo essa virtude. O mundo pode virar à vontade, os conhecimentos comprovarem o contrário, eu ser taxada de careta, mas não abro mão da bondade. Gente tem que ser boa pra mim e ponto. Se não houver bondade genuína, melhor nem se aproximar porque não fico à vontade.

Se hoje ainda guardo fé na vida é por saber que existem pessoas nobres como você. Como me orgulho de ti. Todas as probabilidades estavam contra nós. Você morou em baixo de uma estação de trem, passou fome, suportou necessidades duras e humilhações com uma inabalável doçura. Mais tarde, você e meu pai decidiram se unir e ter dois filhos. Uma costureira e um segurança. Ficaram atabalhoados no início, desgostosos da gravidez, mas como cristãos resignados resolveram ter as crianças e criá-las custasse o que custasse. E custou alto. O dinheiro era pouco. A precariedade era muita. Foram muitos dias de fragilidade. Incertezas se teríamos comida no dia seguinte. Se as contas atrasadas seriam pagas antes do corte do serviço. Se meu pai voltaria vivo do trabalho arriscado.

Você ia me deixar dentro da sala de aula quando quase nenhum pai fazia isso com seus filhos. Eu morria de vergonha, porque já era uma criança grande. Os colegas zoavam pra caramba, mas você era cuidadosa e gostava de conversar sobre mim com os professores. Você não faltava sequer a uma reunião escolar. Sempre deu atenção e respeito aos professores e coordenadores. Meu fardamento sempre foi impecável, e diariamente estava de banho tomado e cheirosa. Você pagava o mini-dicionário de inglês em dez prestações só pra me ver estudar com um material didático bom. Manteve-me longe das ruas, das más companhias, colocou-me para dormir, deu-me comida – algumas vezes ficando até com fome para isso. Você ia dormir triste e angustiada, hoje sei. Apoiou-me quando lá na adolescência deixei uma bolsa de trabalho para dedicar-me exclusivamente ao estudo pré-vestibular. Enquanto fui chamada de louca e irresponsável por familiares descrentes, você acreditou em mim. Sabia que mesmo na escola pública algo de bom viria como triunfo da minha dedicação. Nem sempre isso acontece, contudo você acreditou.

Quando ingressei na universidade pública você viveu um dos dias mais felizes da sua vida. Quando passei em alguns concursos públicos também. E quando boas coisas acontecem é preciso lembrar de quem permitiu-me estar aqui. Embora não seja nada demais para alguns olhares, tornar-se um adulto digno e honesto em determinados contextos é por si só um grande feito. Você não estudou muito, não compreende expressões simples, mas nunca faltaram as palavras mais doces de carinho e de incentivo quando precisei.

Lembro que quando ganhei meu primeiro salário de um órgão público fizemos algo que sempre quisemos, uma grande feira de alimentos que durou meses. A comida sempre foi nossa maior preocupação. Enquanto outras crianças desfilavam roupas novas e as famílias à volta pareciam preocupar-se mais com mobília e eletrodomésticos, carecíamos do essencial. Uma pessoa bem alimentada é capaz de muita coisa. Uma pessoa com fome, de quase nada. Não devíamos estar aqui. Existindo, prosperando, felizes, dignos, unidos. Você sempre acreditou e fez-nos acreditar no melhor. Deu-nos a luz de fato e de verdade.

Eu te daria o céu e as estrelas, se pudesse. Entretanto Deus que perdoe-me, acho que até isso seria pouco pra você. Tentarei então ser a cada dia alguém melhor e mais feliz, pois sei que esse é seu melhor anseio. Sei que eu e meu irmão somos sua razão de viver, e nem adianta pedir pra parar um pouco, preocupar-se menos ou descansar alguns minutos. Você é glorioso sinal da existência de um Deus amoroso. É exemplo de uma vida de coragem e de superação. Você se sacrificou por nós. Você é a verdadeira campeã. Você merece o melhor!

Hoje quase não tenho certezas. Duvido de tudo, mas uma coisa é certa, se houver eternidade quero lá ficar no seu colo pra sempre.

Obrigada, Deus, por dar-me esse anjo da guarda, essa mãe que nunca merecerei.

Amo você, mainha.

Denise Araujo

Sou Denise Araujo e não tenho o hábito de me descrever. Não sei se sei fazer isso, mas posso tentar: mais um ser no mundo, encantada pelas artes, apaixonada pelos animais, sonhadora diuturna, romântica incorrigível, um tanto sensível, um tanto afetuosa, um tanto criança ...

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Tags: mãe

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