Tudo manifesta essa mania de ver o outro. Sabemos, no fundo, que temos esse lado observador, perscrutador da presa fácil que se mostra sem saber a quem. Acontece em qualquer lugar, é só alguém estar lá – isso é fato! Mesmo que não percebam, os observados, muitas vezes nos deixam extasiados diante de qualquer coisa que eles fazem, às vezes nos tiram do chão por um simples olhar que lançam ao acaso, são infinitas as ocasiões.
Já manifestei esse meu lado através da escrita. Minha mania é de longa data, nem saberia dizer ao certo, mas faz tempo que brinco com o que acontece dentro de mim – esse bendito mal da observação do outro. O outro que me cerca e prende, onde eu estiver. É que desse outro, como falo, não me canso nunca. E peco demasiado por ele, pois penso também por ele, mas não dá para viver a vida de ninguém, ainda que seja no mais sublime romance.
De uns tempos para cá – também não saberia dizer quando começou essa angústia – não desejo mais escrever uma linha de um poema sequer, algo me esgotou nesse caleidoscópio de dores – sempre a dor do outro misturada à minha delicada atração do olhar. Vou partir para outras formas de expor o que vejo. Não deixarei de escrever jamais, mas meus poemas, só poucos saberão deles. Eles existem e ficarão guardados, pois não tenho mais necessidade de revê-los, pelo menos, não agora, talvez lá no futuro.
Mas a loucura de enxergar alguém ultrapassa qualquer experiência, sabe? Ver alguém, um desconhecido praticamente nu, mostrando tudo o que sua vida lhe dá. Às vezes eu não entendo, mas me esforço e desejo sobretudo continuar suas histórias. É sobre isso que falo e gostaria que muitos entendessem: nossa forma de conquistar o mundo, como um personagem trilhando os caminhos do roteiro que alguém lhe passou, sem saber o desfecho, muito menos o final.
Por tudo isso escrevemos, para dar formas ao que existe e até ao que criamos, às nossas fantasias e histórias inventadas.
Pude ver, mesmo antes dessa conversa toda, que escrevo somente pela minha curiosidade que tantas vezes ultrapassa a vida do outro para ganhar uma vida própria, diferente de tudo o que existe. Se posso dar formas a muitas vidas e brinco com esse poder que me estilhaça toda, também posso esconder um pouco desse mistério da minha criação, pois acredito que nem sempre é bom mostrar tudo o que se tem, pode ser trágico demais. Prefiro esse atrevimento do olhar às escondidas, que revela sem perceber.
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Nota: A imagem de capa é uma homenagem ao filme “As horas”