A maturidade não está nas aparências

Imagem de capa: Stefano Cavoretto, Shutterstock

Não adianta usar terno, gravata e sapatos italianos se for para fazer birra quando for contrariado, usar o seu poder para diminuir os outros por não estar disposto a tratar da própria insegurança, dar berros aos quatro cantos porque está “de lua” e, neste caso, a ética não vale um chiclete embaixo da mesa.

Há muitos por aí que pensam que maturidade é deixar ou forjar os cabelos brancos, deixar a barba crescer – mas sempre muito bem estilizada -, usar salto alto – mas andar com classe -, vestir certos tipos de roupa e outras amenidades mais. Há quem pense que maturidade e gostar de jazz em vez de rock, é não fazer “brincadeiras”, é reprimir a própria criatividade para seguir certos padrões de comportamento, é casar e ter filhos a qualquer custo mesmo que ainda não tenha encontrado alguém com quem realmente desejasse assumir essa responsabilidade, é postar fotos de viagens à Europa e não usar emojis nas conversas.

Há muita gente por aí que confunde ser maduro com ser ranzinza ou pouco autêntico. Acontece que ser ranzinza não é exclusividade dos “maduros”, nem ser autêntico é qualidade dos jovens e, consequentemente, imaturos nesse raciocínio raso. Abster-se do lúdico na vida, dos gostos próprios, do “ser si mesmo”, para seguir uma cartilha militar de comportamentos fúteis, guarda-roupa e rituais não é, de forma alguma, tornar-se maduro.

É curioso observar que dentre as pessoas que mais emitem discursos superficiais sobre como ser para ser considerado maduro, muitas delas estão sofrendo de crise de identidade, e, não obstante, são quase em sua totalidade as que menos demonstram maturidade em suas ações.

Atitude, isso sim é o que determina o quanto uma pessoa é madura ou não. Não está no modo de vestir, não está no modo de falar, não está nem mesmo no modo de pensar exclusivamente, mas no modo de agir e se colocar diante do mundo e diante dos outros.

Maturidade não é qualidade de quem pretende viver sozinho, de quem se isola do mundo literalmente ou figurativamente. Figurativamente, quando a pessoa age como se ela fosse o centro desse mundo que habita e não enxerga os outros, não pensa nos outros, não tem responsabilidade, não tem ética, não tem empatia. Nem eremita nem egoísta.

Maturidade tem a ver com saber viver coletivamente, saber levar as coisas com serenidade, decidir com sabedoria e saber que está sujeito a errar como qualquer outra pessoa. Tem a ver com não querer carregar o mundo nas costas, porque sabe que é pequeno demais para isso, mas também não se isentar em fazer sua parte, porque sabe que compõe um todo maior do que a sua individualidade.

Com isso, não se obriga mais a ser como os outros esperam que seja, nem deixa de se questionar se poderia ser melhor em comparação a si mesmo. Ser maduro tem a ver com refletir sobre as críticas, em vez de simplesmente ignorá-las, filtrar o que serve e o que não serve, sem “neuras”. Por outro lado, também tem relação com saber criticar, sem destruir o outro ou aponta-lo coisas que são questões de gosto e que, logo, em nada poderão contribuir para o crescimento alheio.

Na cultura da superficialidade em que estamos inseridos há muitos que destilam seus venenos, criticando hábitos corriqueiros e insignificantes em seu aspecto coletivo, como se estes é que fossem determinantes para uma pessoa ser considerada adulta, coisas como: você é adulto se tomar café em vez de achocolatado, se preferir uma torradinha light com azeite e manjericão a um sanduíche monstro do trailer da esquina ou um belo sorvete cheio de cobertura. Não pode brincar, não pode gostar de festa temática, não pode curtir fantasias a não ser que sejam sexuais, porque, afinal, o lazer do adulto se resume ao sexo.

Tanta cretinice nos faz girar em torno de uma ansiedade absurda em cumprir este código de aparências para ser aceito socialmente em vez de nos atermos à mudança substancial do nosso posicionamento diante da vida. Todavia, é possível encontrar em muitos livros sobre o desenvolvimento cognitivo e afins, que a fase da vida em que um indivíduo tenta se encaixar em determinados grupos de forma superficial, seguindo os padrões do grupo de vestir, seus rituais e hábitos de consumo, se chama adolescência. E, paradoxalmente, apesar da nossa cultura ser intrinsecamente adolescente – não pelo fato de pessoas mais velhas adotarem estilos teen de vestir,por exemplo, mas pelo comportamento e funcionamento social generalizadamente adolescente -, pobre dos adolescentes: ninguém os suporta, justo eles, que estão exatamente na fase de ser como são! Roubaram-lhes o lugar…

Às vezes eu penso que essa repressão ao lúdico, ao autêntico, à profundidade, à criatividade (para fins de viver e não para trabalhar em uma empresa conceituada, por exemplo, porque tem disso também…), nos coloca em um ambiente denso, duro, onde não há espaço para leveza. Por conseguinte, essa falta de leveza se converte em ódio, se converte em violência, se converte em agressividade e ignorância.

Se as pessoas não enxergam umas as outras para além dos padrões sociais que são impostos e logo se julgam mutuamente, cegos da realidade, imersos em uma fantasia perversa na qual todos são personagens uns contra os outros, onde o outro nunca será um igual, mas um rival, nada mais natural do que convivermos diariamente com a violência sob formas cada vez mais sofisticadas e mesmo abstratas.

Se não há vazão para nossas emoções, todas elas, inclusive a raiva, a frustração e tantas outras pequenas angústias que passamos cotidianamente, através de um meio lúdico, simbólico, leve, então, elas vazam de outra forma: através de discussões, de ataques, de trapaças, de intolerância, e por aí vai.

Um jogo de paintball não faz mal a ninguém, nem jogar “pokemon”, muito menos soltar pipas; enviar emojis então, nunca ouvi dizer em como isso afeta negativamente a economia, aumenta a corrupção, dissemina a ignorância ou incita guerras. Nada disso torna uma pessoa automaticamente irresponsável, nada disso significa que ela vai deixar de fazer o que é necessário para viver, que não respeitará aos outros, que não respeitará as leis, etc.

Da mesma forma, uma pessoa também pode gostar de viajar para Europa, adorar seus sapatos italianos e preferir xadrez a videogame. Tudo bem, essa pessoa também pode ser responsável, ética, bacaninha da vida. A questão é apenas que: não existe um perfil, um estereótipo que assegure o que é ser maduro, o que é ser adulto, o que é ser humano com os outros. Não existe uma aparência única para isso. Ser maduro não é uma questão de gosto.

A maturidade pode estar presente nos mais diversos modos de viver, de comer, de vestir, de pensar, de ser. Como a ética, uma de suas principais parceiras, ela exige o exercício da observação e do convívio para ser tanto identificada, quanto desenvolvida. Você só saberá se uma pessoa é madura ou não, se ela é confiável, se ela é responsável, se ela é capaz, quando a ver diante de uma situação extrema, difícil, angustiante, e então puder vislumbrar como ela lida com isso.

Você só saberá se uma pessoa é madura quando conviver minimamente com ela e tiver o olhar livre de estereótipos, para poder enxerga-la de fato. Ademais, você só estará sendo presa das aparências, o que é um sinal de imaturidade de épocas anteriores até mesmo à adolescência. Se pegarmos, por exemplo, Piaget como referência, uma pessoa nesses termos, no sentido moral ao menos, seria como uma criança que se encontra no estágio de desenvolvimento cognitivo pré-operatório.

É provável que as pessoas verdadeiramente maduras estejam pouco se lixando para o que os outros pensarão delas se participarem de uma guerra de travesseiros ou gostarem de soltar bolhas de sabão. Sabem que das consequências que tais ruídos terão, estas serão as de menor importância na prática. Às vezes precisamos de um café forte e outras de um sorvete lambuzado de chantilly. Às vezes o som mais agradável para o momento pode ser um indie rock e outras vezes é Chopin. Existem situações que pedem uma roupa social e outras que casam melhor com chinelos e óculos escuros.

Saber que existem coisas que se auto excluem e outras que podem conviver perfeitamente no mesmo âmbito sem nenhum prejuízo por isso; saber que existem mais de duas possibilidades para tudo na vida, que os extremos nem sempre são os melhores lugares; coisas dessa natureza, difíceis de se colocar na prática porque exigem mais do que uma reprodução de ideais; saber como lançar esse abstrato construído pelas experiências para intervir no concreto – isso sim, é uma questão de maturidade. De resto, não passam de amenidades.

Paula Peregrina

Peregrina de territórios abstratos, graduou-se em Psicologia, trocou o mestrado e uma potencial carreira por uma aventura na Letras e acabou forasteireando nas artes. Cruzando por uma vida de territórios insólitos, perseveram a escrita, a poesia e o olhar crítico, cristalino e estrangeiro de todos os lugares.

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