Mariana da Silva Ferreira, de 40 anos, trabalha há dez anos como médica legista do IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo. Ao blog Universa, ela contou que, nesse tempo todo, ao menos uma vez ela pensou em desistir do trabalho. Foi em 2011, quando ela atendeu uma menina de três anos que havia sido abusada pelo vizinho de porta da família, uma pessoa a quem a mãe confiava a filha quando precisava sair de casa.
Ela relata que a situação, que “fez seu mundo cair”: “Pensei comigo: ‘Chega, não volto mais’.” E então ela fez uma carta de exoneração e apresentou à direção do IML. Estava prestes a deixar o cargo, mas uma pergunta insistia em ecoar na sua cabeça: “Por que tanta criança?”. Queria saber por que a maioria das vítimas que atendia tinham menos de 12 anos. Desistiu de desistir. Encontrar uma resposta se tornou sua obsessão.
Foi a partir daí que Mariana decidiu tratar as pacientes “como pessoas, não como casos”, e então colocou adesivos da Turma da Mônica na sala de perícia e passou a distribuir balões e anéis de plástico, “como os de festa infantil”, além de pirulitos aos pequenos. E fundou uma entidade para prevenção do abuso, a Pródigs, por meio da qual dá palestras e cursos de capacitação e divulga material informativo. Também criou, no primeiro semestre de 2019, um curso de mesmo tema na Academia de Polícia Civil de São Paulo — é a primeira vez que a instituição trata do assunto no treinamento dos policiais do estado.
A paciente mais jovem atendida por Mariana tinha sete dias de vida. Em uma mesma semana, chegou a atender um bebê de seis meses e uma senhora de 80 anos, ambas vítimas de abuso. “É um trabalho que me faz por em xeque a fé nas pessoas porque está na minha mão, para eu examinar, o resultado do pior que um ser humano pode fazer.”, disse a médica legista.
No IML em que trabalha, situado no Hospital Pérola Byington, na capital paulista, trabalha 40 horas semanais, intercalando plantões. Ela atende muitas meninas que foram abusadas por pais e padrastos, lida com familiares negligentes e pericia mulheres arrasadas por violações de todo tipo. Afirma que a porcentagem de pacientes mulheres segue os números das pesquisas sobre abusos: cerca de 70% a 80% dos casos.
“Como você consegue?”, é a pergunta que mais escuta. “É como diz o dependente químico: um dia de cada vez”, responde. E, ao lembrar que seu incômodo não chega aos pés da devastação que um abuso faz na vida de uma vítima, dá sentido ao seu trabalho: “Se entrou comigo, é a pessoa mais importante do mundo naquele momento. É a minha maneira de ajudá-las”.
E Mariana ainda deixa um recado importante: “Denuncie. Se não der em nada, denuncie de novo. E de novo”.
Uma das formas de denunciar o abuso infantil é o Disque 100. O número do governo federal é se encarrega de receber denúncias anônimas e repassar a órgãos competentes, como conselhos tutelares e Ministério Público. Também é possível procurar diretamente o conselho tutelar local ou qualquer delegacia.
“Já escutei de vítimas adultas que sofreram abuso na infância: ‘Todo mundo sabia, e ninguém fez nada’. É triste demais”, diz Mariana. “Por isso, minha orientação é: denuncie. Tem gente que diz que não dá em nada, mas eu respondo: denuncie de novo e de novo. Não pare de denunciar. Quem se omite também comete um abuso.”
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Redação CONTI outra. Com informações de Universa
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