eu já quis morrer sem motivo, assim como também já quis tendo motivo. negar que ninguém nunca pensou em morrer é um tabu ainda. contudo, a morte é tão natural quanto a vida e elas se misturam de um jeito esquisito quando se tem depressão. ponderar, pensar sobre o que vale ou não a pena são estágios que mudam a cada instante. você acorda mal hoje e no dia seguinte parece que nada aconteceu. mas esse intervalo é no melhor pior dos cenários. há dias em que mergulhar em dias cinzas torna-se tão habitual como quem simplesmente sai pra trabalhar. obviamente, as comparações não devem ser levadas ao pé da letra, mas existem semelhanças nos comportamentos quando se pensa bem. é o piloto automático desse mundo injusto, que é injusto e a gente até agora não sabe o porquê. por que precisamos aprender algo? por que é assim e pronto? por que alguém ou alguma coisa além da gente decidiu isso, e se decidiu, por quê? não dá pra questionar, pedir dar um reset na vida e começar de novo?
a depressão te derruba e desafia ao mesmo tempo. você passa a não se importar tanto, quando na verdade você se importa mais do que a maioria. a diferença é que demonstrar essa importância, esse zelo, dói. e dói demais. na depressão a gente é sujeito e objeto de um só coração. só que a gente também é tempestade de vírgulas, pontos de interrogação e drasticamente, também exclamação. as minhas memórias crônicas da depressão são recentes pra muitos, mas talvez ela estivessem aqui há bem mais do que eu poderia imaginar, e tenho quase certeza que para tantas outras pessoas acaba sendo desse jeito. é porque estamos sempre com pressa. pressa para conquistar algo, para superar algo, para entender algo.
repara na sua vida e pergunte-se em quantas oportunidades você teve respiro? em quais momentos você apenas existiu? é o inverso de se divertir, de tirar férias, de aproveitar bons momentos. não tem nada a ver com isso. o papo aqui é introspecção, autocuidado, autoconhecimento, reflexão emocional e por que não, filosófica da sua pessoa? quase ou impossível para todos no mundo. o corre corre não deixa, não permite. e quando você joga uma conversa do tipo para quem quer que seja, a primeira reação é de estranhamento. te acham louco, uma pessoa desocupada, irresponsável em alguns casos. a depressão vai germinando assim e outras inúmeras situações.
uma amiga definiu bem a sensação de impotência da depressão: não existe remédio pra dor na alma. vamos ser honestos, o que é a alma? a alma é como a gente romantiza e tenta trazer um senso místico e confortável da nossa existência. não temos prova dela. não sabemos nada além do que alguém disse, do que alguém contou, do que alguém escreveu em um livro que seguiu intacto por sei lá quantas centenas e centenas de anos (não vou ser mais drástico falando em milênios, vai…daqui a pouco o texto chega nos dinossauros e não é essa a vibe, se é que tem uma vibe estabelecida). eu juro e, mesmo só falando por mim: ninguém – ainda que sem força para ter o mínimo de amor-próprio escolhe ficar doente. assim como em grande parte das doenças psicológicas, ninguém também tem como escolher se curar. doenças psicológicas chacoalham sentimentos e pensamentos e muitas vezes são incontroláveis, incompreensíveis e incompletas de definições ou vocabulários.
a gente ainda tá praticamente engatinhando quando o assunto é depressão na sociedade. se nós como um todo temos medo e queremos espantar o assunto usando das frases mais clichês de autoajuda e positivismo do mundo, imagina para quem está no olho do furacão de uma crise de dias? dias no meu caso. tem gente que passa semanas e meses sem qualquer reação ao mundo externo e interno. eu pelo menos tento escrever, tento fazer as minhas palavras ganharem algum alcance, conforto e uma diminuição da solidão para alguém. mas nem todo mundo consegue essa sorte. nem todo mundo é como a gente. e a gente não é como todo mundo.
a minha depressão não é a mesma que a sua, que não é a mesma que a de outra pessoa que você conhece ou convive. parece desesperador e totalmente pessimista o textão, eu sei. talvez ele deva sê-lo, apesar de estar escrevendo na intenção dele servir de alerta para paciência e escuta para quem está naquele estágio de equilíbrio emocional. tudo bem que eu não acredito nisso. acho que no fundo, cada um de nós enfrenta diariamente as suas pequenas depressões mas, em hipótese alguma, explico isso para efeito comparativo. pelo contrário, tá mais para entendimento da dor e, por assim dizer, que deveríamos estar mais empáticos e disponíveis uns para os outros. só tapinha nas costas não resolve. só mensagem de apoio não resolve. só dizer que ama não resolve. só ter fé não resolve. ter um coração é ter mais do que um músculo. tem um sentido poético nele. às vezes é trágico, às vezes é bonito demais. mas para absorvê-lo, para repará-lo de perto, a gente precisa de atenção e interesse. e sobre a alma, a alma também faz parte do pacote. a alma não é a embalagem poética das nossas, ela é a jornada de cada comportamento que transbordamos. a vida não para. a depressão menos.
a minha luz no fim do túnel são os detalhes, as pessoas, eu por inteiro. a solidão não atrapalha, ela te faz enxergar. a companhia, o verdadeiro acolher, esse te faz viver sem indiferença neste mundo. é o que a gente mais ainda necessitando no momento.