Minha mãe sempre me contava que, quando eu era bebê, meu pai tocava flauta para eu dormir.

Cresci ao som da música, pois em minha família havia vários músicos amadores. Minha mãe tocava piano, meu pai tocava flauta e cavaquinho, dois dos meus tios tocavam acordeon e um deles era cantor.

Meu tio Alberto, mais conhecido como Tata, morava perto da minha casa e eu ouvia quando ele estava tocando. Ia correndo para lá e ficava fascinada olhando o seu dedilhado nas teclas e quando ele sacudia o fole do acordeon.

Bem perto dali, em uma simples garagem, um marceneiro trabalhava durante o dia, mas à noite, naquele mesmo espaço, alguns músicos se reuniam: o marceneiro, que tocava violão era o seu “Ditinho do Mestre”, apelido que recebeu porque era filho do maestro da banda, o sr. José Pedro, que viveu até cem anos.

Havia também o Joaquim, que todos chamavam de “Minhoca”, que tocava bandolim e o “Lino Frô”, cantor. A respeito desses dois apelidos nunca descobri o motivo.

Outro cantor era o Eurico e mais um violeiro: o Mário.

Depois do jantar, meu pai me falava: – Hoje vamos à boate!

Naquela época eu não sabia o significado da palavra boate. Para mim era aquele pequeno espaço cheio de alegria, onde meu pai tocava cavaquinho.

Quando eu tinha mais ou menos onze anos, quis aprender a tocar acordeon.

Havia uma professora que dava aulas e comecei a aprender na casa dela. O que eu queria muito era ter o meu próprio instrumento. Porém meu pai não podia comprá-lo.

Quando meu avô faleceu, minha mãe recebeu uma herança e a primeira coisa que ela pensou foi em comprar um acordeon para mim.

Havia uma loja em minha cidade e lá fui eu muito feliz com a minha mãe para comprar o instrumento. O dono da loja pediu para que eu experimentasse o acordeon e então toquei uma das músicas que já sabia de cor.

Minha mãe ficou muito orgulhosa e aquele foi um dos dias mais felizes da minha vida.

Passei a treinar várias vezes ao dia. Chegava até a ter dor nas costas.

Um dia os amigos do seu “Ditinho do Mestre” resolveram comemorar o aniversário dele em um espaço maior, com palco e tudo.

Havia muitos números musicais e também comes e bebes.

Meu nome estava incluído para tocar uma música, mas, quando me chamaram, não tive coragem de tocar para toda aquela gente, pois era muito tímida. Meu pai quase morreu de desgosto.

Então percebi que tinha que enfrentar aquela timidez. Comecei a tocar no aniversário de minhas primas, nas festas juninas da vizinhança, nas homenagens que fazíamos para os professores da escola.

Durante à noite eu sonhava com as melodias diferentes com suas notas musicais. Quando me levantava, pegava meu instrumento e colocava meus sonhos em prática. Descobri que estava compondo.

Na rádio eu ouvia as paradas de sucesso e já ia correndo tocá-las de ouvido. Minha mãe dizia que eu não devia fazer isso porque corria o risco de ter erros. Na época, quando queríamos uma partitura tínhamos que encomendá-la para alguém trazer da capital.

Quando completei dezoito anos, me formei professora e aí começou outra etapa da minha vida.

Lecionei em zona rural e na cidade, fazendo com que as crianças também gostassem e dessem valor à música.

Eu tocava e eles cantavam. Preparava teatros e sempre fazia o fundo musical. Tempos depois, comecei a ensaiar bandinhas rítmicas.

Meus alunos adoravam tudo isso.

Uma vez fui convidada para tocar quadrilha na APAE (Associação de Pais e Amigos do Excepcional). Fiquei emocionada ao ver que algumas crianças participavam da dança em cadeiras de rodas. Foi fantástico!

Aos vinte e quatro anos eu me casei e fui morar em outro Estado, bem longe de minha terra natal. Mas levei comigo o meu querido instrumento musical, meu companheiro das horas tristes e alegres.

Quando estava feliz, tocava músicas animadas, quando triste, músicas melancólicas e às vezes até chorava.

Meus vizinhos gostavam de me ouvir tocar, até que um dia meu marido disse que aquilo era serviço de quem não tinha o que fazer. Meu mundo desmoronou, mas mesmo assim eu continuava com as minhas músicas quando ele não estava em casa.

Depois de alguns anos, nasceram minhas filhas e meu tempo foi ficando curto. Na época, elas passaram a ser minha nova paixão.

Já tinha voltado a residir em minha cidade e às vezes tocava o acordeon, principalmente nas escolas onde lecionava.

Até que chegou a minha aposentadoria. Chegaram também minhas netas e o meu acordeon ficou de férias. Está guardado na caixa, num cantinho do meu quarto, aquele mesmo instrumento que minha mãe comprou com o dinheiro da herança.

Mas a música continua no meu cérebro. Às vezes, de madrugada, eu penso nas músicas que mais tocava, principalmente naquela que mais gostava: O tango La Cumparsita.

Deitada em minha cama, abraçadinha com a felicidade, fico pensando nas notas que compõem as canções e ouço as medodias em meu cérebro. É maravilhoso.

Parece que “meu cérebro toca música!”

Enide Niero Conti

01/08/2015

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