Por Janaína Calaça
Do original: Meu corpo não é problema seu, mas o seu preconceito é problema nosso – Algumas considerações sobre gordofobia
Hoje, pela manhã, eu estava passando os olhos pelo Facebook, quando me deparei com uma postagem sobre biquínis para garotas gordinhas e gordas, publicada por uma revista feminina. Os modelos me chamaram a atenção mesmo não sendo adepta ao biquíni (desde criança, sempre preferi o maiô), e depois, por curiosidade, resolvi ler alguns comentários sobre a postagem, porque sei que manifestações preconceituosas sempre aparecem em comentários de posts e artigos relacionados a gordos (sempre, e isso não é uma generalização).
O preconceito em relação a gordos não nasceu hoje; ele é antigo. Convivo com tal presença há anos. Atravessei minha infância e adolescência ouvindo barbaridades por ser gorda. Tornei-me adulta e continuo a ouvir e ler barbaridades e sei que, quando me tornar uma anciã, ainda terei de conviver com os ecos de tanta ignorância e total (total, reitero) ausência de empatia em relação ao outro.
A obesidade tem origem multifatorial. Não se reduz simplesmente à ingestão excessiva de comida. Ninguém é obeso apenas por comer muito; há muito por trás da obesidade. Sedentarismo (quantas pessoas trabalham de seis a dez horas por dia, sentadas diante de um computador?), problemas metabólicos causados por desequilíbrios hormonais, compulsão (que está relacionada a questões psicológicas), e até a questões econômicas e sociais. Muitas vezes o indivíduo não ganha o suficiente para manter uma alimentação saudável e variada e acaba apelando para alimentos rápidos e baratos para sobreviver. Enfim, esses são apenas alguns fatores relacionados à obesidade. Alguns fatores, friso.
Paralelamente aos desafios cotidianos que todo gordo enfrenta (transporte público, mercado de trabalho muitas vezes excludente à imagem do obeso, a eterna briga com o peso etc.), ainda há a pressão social diária e a agressão gratuita, seja nas ruas, em casa, no ambiente de trabalho, ou até mesmo em comentários de postagens sobre biquínis para mulheres gordas, artigos sobre uma exposição de Botero ou sobre a vida sexual de pessoas obesas. Sempre, pode checar, há uma enxurrada de comentários grosseiros e agressivos sobre nós. Sim, nós, porque eu me incluo neste grupo.
O que me intriga diante dessas manifestações de ódio são os seus motivadores. O que faz uma pessoa agredir verbalmente outra na rua ou na internet por ser gorda? O que motiva o ódio dessas pessoas? O que elas estão tentando preservar? Do que elas têm medo?
Assim como a obesidade é uma questão de origem multifatorial, o preconceito certamente nasce de questões diversas. O problema, no entanto, é tentar entender de onde ele vem e para quem ele trabalha. Quem ganha com o preconceito aos gordos? Quem está lucrando com isso?
Vivemos em uma sociedade capitalista e somos bombardeados o tempo todo pelos mecanismos de estímulo ao consumo. Longe de querer reduzir o preconceito aos gordos apenas a isso, não posso deixar, no entanto, de imaginar como muitas pessoas estão sendo utilizadas por essa “máquina” como uma engrenagem, sem mesmo ter noção disso.
A indústria farmacêutica lucra com a obesidade (vendendo remédios, shakes e uma infinidade de produtos para emagrecimento). Clínicas estéticas lucram com a obesidade (com plásticas, lipoaspirações e outros procedimentos). Academias lucram com a obesidade. Revistas vendem receitas milagrosas para o emagrecimento. Há muitos setores que lucram com o combate à obesidade e que se encontram orquestrados para garantir o fluxo contínuo do lucro.
Usei o termo “orquestrados”, porque, por mais que esses setores pareçam desconectados, eles trabalham juntos para lucrar com o combate à obesidade. A mídia, inclusive, é um grande e importante fator nesta equação. Ela dita os padrões (somos bombardeados o tempo todo pelo padrão “magro” como o ideal a ser alcançado), que são assimilados por uma parcela considerável da sociedade, que não só reproduz tal padrão, como pressiona aquele que não se encaixa nele. E essa pressão ou se dá de forma mascarada por uma pseudopreocupação com a saúde alheia ou por meio de ataques grosseiros e diretos. Disse “pseudopreocupação com a saúde alheia”, porque duvido muito que a minha obesidade ou a de quem quer que seja atinja diretamente a vida de alguém.
Penso, então, que o preconceito ao gordo, que deve ter razões diversas, também bebe da nossa sociedade de consumo, que não só cria padrões, como usa esses padrões para continuar a lucrar. O preconceituoso, dessa forma, acaba sendo uma peça importante nessa engrenagem. Ele faz a pressão sobre o gordo acontecer, faz o gordo partir para dietas e remédios milagrosos, para intervenções cirúrgicas invasivas, para a punição e rejeição ao seu corpo. O preconceituoso, no entanto, muitas vezes nem sabe o quanto é manipulado nem identifica que é apenas um joguete. Ele acredita que aquilo que profere como discurso é fruto de sua “opinião”, mas nem consegue imaginar o quanto a sua “opinião” é construída e reiterada em seu imaginário por mecanismos silenciosos e eficientes. O preconceituoso é um indivíduo que se esqueceu de analisar o mundo criticamente, mas que ainda acredita no contrário.
Não saberei responder à pergunta que fiz a mim mesma em um dos parágrafos do texto. Não saberei responder quais seriam os motivadores do ódio às pessoas gordas, das agressões gratuitas, do grito de muitos de que não temos o direito a viver uma vida como todos. Apenas continuo a afirmar que, por mais que a sociedade nos aponte o caminho da homogeneização, tentando nos fazer acreditar que devemos obrigatoriamente e cegamente seguir padrões, temos que, individualmente, lutar pelo contrário: pelo respeito à diferença. E não só pelo respeito à diferença, mas sobretudo pela inclusão. Devemos lutar cada vez mais por uma sociedade inclusiva e não excludente, em que as diferenças não sejam atacadas, combatidas e violentadas, mas acolhidas em sua pluralidade. Portanto, meu corpo não é problema seu, mas o seu preconceito é problema nosso.