Meu marido ou esposa não aceita a separação. E agora?

Sou advogada e atuo na área de família há 25 anos. Hoje, posso dizer com segurança que a separação de um casal é um dos momentos mais dolorosos da vida e, baseada nisso, deixo informações gerais que podem ajudar a iluminar os caminhos de pessoas que estão passando por isso.

Em pleno século XXI, não somos preparados para uma separação. A nossa cultura, predominantemente judaico-cristã, privilegia o casamento como algo perfeito, imutável e perene. E, mesmo nas novas formas de relacionamento, como as uniões estáveis, que muitas vezes não são legalmente constituídas, a ideia de separação é atrelada a algo que acontece com o outro e não consigo mesmo.

Mas, chega o momento em que um casal já não se entende.

A despeito das condições da família, se há ou não filhos, vamos tratar aqui de cada um dos parceiros e de suas vontades. No meu cotidiano no escritório, percebi que 90% dos divórcios ou dissoluções de união estável, são de iniciativa das mulheres. As estatísticas mundiais são um pouco menores, mas ainda indicam a figura feminina como protagonista na maioria das decisões. E por que isso ocorre?

No meu cotidiano no escritório, percebi que 90% dos divórcios ou dissoluções de união estável, são de iniciativa das mulheres. E por que isso ocorre?

Naturalmente, a MULHER, mesmo na sua atual perspectiva de vida, atuando em vários papéis sociais e sendo muitas vezes o ser economicamente mais ativo no lar, tem uma natureza mais sensível e emocional. E o fator amor é muito importante em sua vida. Quando uma mulher descobre que não ama mais seu marido ou companheiro, a base em que construiu seu relacionamento se desestabiliza, pois ela percebe que, nos últimos meses e anos, de forma gradativa, não recebeu os cuidados ou mesmo foi alvo da admiração de seu parceiro. Elas tomam consciência da escassez de carinho e do diálogo. Para se sentirem amadas as mulheres precisam de “feedback”, precisam discutir a relação, necessitam de interação. Quando tudo isso acaba e ela se vê autossuficiente em seus sentimentos, não há como segurar uma situação que se deteriorou com o tempo e a negligência do parceiro.

Quando uma mulher descobre que não ama mais seu marido ou companheiro, a base em que construiu seu relacionamento se desestabiliza, pois ela percebe que, nos últimos meses e anos, de forma gradativa, não recebeu os cuidados ou mesmo foi alvo da admiração de seu parceiro.

Por outro lado, o HOMEM vive bem em um lar onde tais coisas já não se encontram satisfatórias. Por mais incrível que pareça, ele vê na sua esposa ou companheira, algo de sagrado. Ela é a mãe de seus filhos e até o reflexo da imagem que faz de sua própria mãe. Mesmo que briguem ou se desentendam, de certa forma o marido vê a esposa como uma escolha para toda vida. Um homem é capaz de organizar sua vida e levá-la naturalmente num lar onde não mais existe o amor conjugal. Não raras vezes, ele busca a satisfação amorosa fora de casa e entende ser este ato, uma conveniência. O homem que tem a iniciativa de se separar de sua mulher é, primordialmente, aquele que realmente se apaixonou por outra. Nesse caso, não há uma separação para ele e sim uma troca. Obviamente, isto não é uma regra imutável, mas pode ser vista como uma constante em nossa rotina como advogados da área familiar.

Um homem é capaz de organizar sua vida e levá-la naturalmente num lar onde não mais existe o amor conjugal.

Nesta perspectiva é muito comum que, quando um dos parceiros fale em separação, haja uma imediata negação pelo outro.

Atitudes como deixar a pessoa falando sozinha, sair do local, demorar para voltar ao lar para não tocar no assunto, ou mesmo desviar-se dele, dizendo a famosa fase: você está louca (o)! – são mais usuais que imaginamos.

Atitudes como deixar a pessoa falando sozinha, sair do local, demorar para voltar ao lar para não tocar no assunto, ou mesmo desviar-se dele, dizendo a famosa fase: você está louca (o)! – são mais usuais que imaginamos.

O que fazer neste momento?

Pela nossa legislação, ninguém é obrigado a continuar casado ou coabitando se não quiser. Existem meios legais de cessar o casamento, através de formas não consensuais. É o popular: “se você não quer a separação, o juiz dá.” E dá mesmo, principalmente se a parte que não quer se separar não se habilitar no processo litigioso ou mesmo quando contesta a ação, sob qualquer argumento.

Como dizemos para nossos clientes: demora mais, mas o divórcio ou dissolução do relacionamento é certa.

Entretanto, não é o modo mais desejável para que a separação ocorra. Um profissional realmente experiente e humano, deseja que toda e qualquer separação seja pensada, refletida, consentida por ambos e que as partes possam continuar seu relacionamento no nível da boa convivência, pois isto é o melhor para ambos e para eventuais filhos do casal.

Qual seria a conduta adequada do advogado

Quando um cliente nos procura, dizendo que a outra parte se nega à separação, primeiramente inquirimos com muito cuidado aquele a quem atendemos. Perguntamos se não existe apenas um desentendimento sanável com conversas conosco ou mesmo com terapeutas especializados. Se a situação não se resume apenas a vontade de dar um “susto” no outro: sim, muitas vezes fui procurada por clientes que não queriam se separar de verdade, só “assustar” o outro com o teatro da separação, para ver se o casamento melhorava…claro que um profissional sério nunca concorda com isso e orienta o cliente a conversar com o parceiro a fim de se entenderem, pois muitas vezes o “susto” da possibilidade da separação se resolve com um diálogo franco entre o casal, que orientamos como deva ser feito e até mediamos, se for o caso.

Está tudo conversado. O cliente tem certeza que quer se separar. E agora?

Quando a resposta do cliente é firme e resoluta pela separação, nosso dever é intimar a parte contrária para que compareça a nosso escritório para conversamos sobre o assunto.

Primeiramente, uma conversa informal, onde ouviremos mais que falaremos. Devemos receber bem o parceiro que se nega à separação, ouvir-lhe os motivos com benevolência, ajudá-lo a entender que existem situações sem volta e que de uma maneira ou de outra, a separação irá ocorrer e o trauma será maior pelo caminho do litígio.

Por outro lado, o parceiro que quer se separar também deve mudar sua conduta com o que não quer, dentro do lar. Deixar de fazer acusações e perseguições, tentando impor a qualquer custo a sua vontade. Deixamos bem claro, àqueles que querem se separar, que isto ocorrerá independente da vontade do outro. É questão somente de propor uma ação litigiosa. Por isso uma atitude sensata, pacienciosa e de não violência verbal, neste momento, é mais indicada.

Deixamos bem claro, àqueles que querem se separar, que isto ocorrerá independente da vontade do outro.

Sem, obviamente, omitir que as consequências emocionais das ações litigiosas são mais sentidas que as das ações consensuais. Inclusive em casos em que é necessário requerer liminarmente ao Judiciário um afastamento daquele que não quer se separar, do lar. O que pode ocorrer sim, em casos extremos.

Por isso é necessária a intervenção do profissional e que tudo seja feito sem atropelo.

Muita conversa, muito entendimento de ambos os lados e das opiniões dos envolvidos, muita humanidade e amor ao ser humano, são necessários para resolver esta situação.

Sim, o profissional do direito não deve amar apenas sua profissão. Deve amar as pessoas, pois são elas o motivo de nosso trabalho. Sem esse amor, as ações não fluem, os acordos não se fazem.

E deve também lembrar ao casal que deseja a separação, o amor que tiveram ao se casar e que eles devem transformar isso em respeito e cordialidade, no momento da separação.

Caso não haja consenso e uma das partes insista na atitude de negação do fim do relacionamento, é proposta uma ação litigiosa, mas que ainda dá chances ao casal de se conciliar no trâmite do processo, através de um dispositivo previsto em nosso Código de Processo Civil, que se denomina audiência de conciliação. Atualmente, a legislação e os juízes insistem, com total acerto, para que tais audiências sejam realizadas, sempre na presença de conciliadores treinados, das partes e de seus advogados. E na maioria dos casos, há êxito e as partes estabelecem um acordo, transformando a ação litigiosa em consensual.Assim, a visão atual do direito de família e de todos os profissionais envolvidos realmente beneficia a conciliação, nos níveis pré e pós processuais.

A visão atual do direito de família e de todos os profissionais envolvidos realmente beneficia a conciliação, nos níveis pré e pós processuais.

Portanto é ético, é do bem, é correto que todo advogado, que ama sua profissão, mas que acima de tudo ama as pessoas e quer ajudá-las, possa fazer o melhor para orientar um casal a resolver suas questões de forma humanizada, ouvindo as partes e seus questionamentos, falando a verdade e evitando conflitos desnecessários.

Porque suavidade e afeto podem ser parte de nosso cotidiano em qualquer esfera ou mister e devem ser distribuídos gentilmente entre aqueles que nos procuram, não apenas com um problema burocrático a ser resolvido, mas com questões que abalam profundamente sua vida emocional e causam sofrimentos, principalmente se relegados a uma visão restrita por parte do profissional do direito.

Imagem de capa: Photographee.eu/shutterstock

Marlise Niero

Marlise Niero provém de uma família bastante ligada às artes. Entre os seu familiares há músicos, artistas plásticos, cantores. No início da vida adulta chegou a cursar a faculdade de Artes Cênicas, na USP, mas optou por não seguir com o curso por não ver perspectivas na profissão. Foi aí que ela cursou Direito, na USF, e atua como advogada da área cível e da família desde então. Hoje, além do trabalho com o Direito, possui um programa de variedades diário na Rádio Socorro. Contato: lyseniero@hotmail.com

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