Por Patrícia Dantas
Quem nunca se imaginou num divã, fazendo uma terapia instigante, ser mais livre de si e do peso dos outros, acreditando que todas aquelas palavras iriam salvar sua vida do tédio e da confusão instalada? Eu sempre me imaginei e tinha certeza que algum dia, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer.
A qualquer momento estaria pronta para embarcar em percepções que poderiam mudar o rumo de toda uma vida. Minha terapia, em minha cabeça, seria um daqueles tipos alternativos; algo que eu teria o controle e mudaria o ponto de vista a qualquer momento; uma tremenda de uma ficção com toques brutalmente reais.
Foi numa daquelas tardes, aparentemente sem novidade alguma, como costumamos chamar o novo que pode acontecer sem que tenhamos necessidade de esperar ou sabê-lo – ele apenas acontece, às vezes com longos pousos, prazeres e uma certa ironia quando se vai – e é como se ele (esse novo que chega tão repentino) escapasse de dentro da gente e ganhasse formas humanas irreconhecíveis.
Eu, tão quanto ela, era a moça da rua, das pessoas, da catarse das emoções. Alana Dias. Soava melhor Alana dos Dias – mas deixa como está. Ela veio a mim. Uma mulher tão humana e palpável como eu. Uma coincidência, como se eu realmente fizesse parte desse nome tão familiar que me foi confiado não sei por quanto tempo. Então, decidi que Alana seria o nome da minha primeira personagem que se fartará de si mesma num divã largo e de liberdade completa, no meio de tantas outras também personagens que ocupariam lugares secundários, mas não menos interessantes. Pode parecer autobiográfico porque ela – a Alana solta e livre – tem muito de mim, mas a desejo em sua total independência do meu universo tão vasto de trivialidades.
Alana agora é quase meu nome, como uma insígnia, veste as mesmas roupas, transita no mesmo cotidiano, sofre das mesmas inquietações quase esquizofrênicas, e vive como se não restassem as sombras do passado; para ela, é o futuro que se ergue a cada dia e a complexidade das relações que moldam seu universo. O presente – deste já lhe falaram tanto – é tudo o que ela deseja saber, perscrutar, arrancar com força e coragem de dentro de si, como um vulcão em erupção, não sabe por onde espalhar seus rastros ainda incertos. Ela depende imensamente do seu presente, mas necessita ainda mais saber o rumo que sua vida tomará em pouco tempo.
Há alguém para escutar, ou o divã parecerá mais um monólogo a sangue frio, como se Alana estivesse sozinha, convivendo aflitivamente com sua própria sombra? É o que muitos se perguntarão, ao tomarem conhecimento de toda essa história, dessa vontade de poder mais que superar, do desejo imenso e louco de voar, de permear os ares desconhecidos e vias inalcançáveis às pernas humanas, mas que o voo da imaginação as levará ainda mais alto. Há alguém que escuta, respira, acena, e não necessita ser visto ou notado. Há Alana agora somente, frente a frente com suas máscaras conflituosas.
E por que não serão permitidos diálogos intercalados e frequentes, um jogo de perguntas e respostas? Dá para saber que há mais alguém para escutar, e que talvez fale bem pouco ou não fale nenhuma palavra sequer, apenas um aceno de cabeça como quem diz “continue, continue” – e só se interessará pelo que perceber de necessário no meio ao redemoinho das histórias conectadas ou desconexas, ambíguas ou inúteis. Não será um bate e volta de diálogos, mas uma viagem de descobertas que poderá ter um fim inimaginável, com convergências e muito mais divergências, uma composição aleatória de complexas mesclas humanas não esperadas. São as minhas múltiplas vidas espalhadas num divã.
Desejamos e sonhamos com a liberdade – desesperadamente! -, e quando nos sentimos livres num divã, espalhamos mais que o necessário da nossa individualidade, de como somos e nos apresentamos no mundo, de como muitas vezes somos extrapolados, tomados e guiados por intensos e desvairados desejos; é a forma que aprendemos a nos conter e construímos socialmente nossas ações pelo nosso inimigo-amigo disfarçado que está sempre ao nosso lado.
Eles me esperam – os outros personagens! Saio correndo daqui, quase tombo diante da cadeira da escrivaninha; vou solta e leve como uma pluma. São tantos e tantos, leves, pesados, ingênuos, tirânicos, suas personalidades vão de deuses aos seres mais satânicos; são solitários, mas adoram a algazarra que há dentro de uma introspecção armada; eles estão à solta, longe da prisão. Vão se mostrar, uma a um, cara a cara. Veremos bichos soltos correrem de um lado para o outro, aflitos em suas confissões quase indizíveis.
Agora, o divã é só nosso. Temos pressa para que tudo aconteça e dê um basta em nossas vidas espalhadas em meio a estilhaços incompreensíveis. E que tudo recomece e seja breve e intenso e solto no mundo.