A sociedade encontra formas estranhas de revelar seus esqueletos no armário. Essa semana, foi através de um programa de culinária voltada para crianças e pré-adolescentes, onde uma participante de 12 anos mereceu comentários do nível “se tiver consentimento é pedofilia?” ou “a culpa da pedofilia é dessa molecada gostosa”.
Isso motivou uma reação enorme, levando várias pessoas – não só mulheres – a postar seus relatos com a hashtag #meuprimeiroassédio. Uma amiga fez um post contando um assédio que havia sofrido ainda muito pequena e ficou surpresa com as mensagens que recebeu inbox, de outras mulheres que se sentiram incentivadas a contar a ela o que haviam passado. Algumas diziam que era a primeira vez que falavam sobre o assunto com alguém. Só não se sentiam a seguir o exemplo dela e tornar público. E dá pra entender a razão.
Muitas pessoas ficaram surpresas com a quantidade de relatos que surgiram de pessoas próximas, o que mostra que não são fatos isolados, mas parte de uma cultura que atinge todas as camadas, grupos ou qualquer divisão que se queira fazer.
Essa mesma cultura que permite (e é essa a palavra) que crianças sejam abordadas sexualmente, é a cultura que evita que o assunto seja discutido. Mas não discutir, é exatamente o que dá a permissão para que esses casos aconteçam. É preciso falar, para que se dimensione essa questão, que não é pequena. Mas ainda mais importante, é preciso que se ouça.
E nós não ouvimos. Ou não acreditamos. Ou culpamos a vítima.
A apresentadora Xuxa Meneghel revelou que foi vítima de abusos quando criança. Nos dias depois da entrevista em que deu essa declaração, muitas mulheres também aproveitaram para contar seus casos pessoais. Mas muitas pessoas – homens e mulheres – preferiram fazer piada com o caso. Choveram comentários como esse abaixo:
“Xuxa fazer fime porno com menor pode ne,sera que nao foi voce que atacou quem voce esta acusando,seu passado te condena fecha o bico que e melhor.“
Como dá pra ver, a pobreza revelada aí não está só no uso do português, em um comentário que dá pra ser analisado em várias camadas. E todas, são reflexo da forma como identidades são criadas.
Eu sou homem. Só posso olhar para a questão do assédio fato a partir dessa perspectiva. Quando ouço falar em cultura do estupro, eu reconheço nisso a descrição da cultura em que eu fui criado. Em maior ou menor grau, todos os homens recebem essa educação pela sociedade, em casa, na rua, através dos programas de humor, da publicidade (de cerveja ou não) e de qualquer lugar onde a figura da mulher é explorada. Isso leva os homens a replicar um comportamento que é visto como normal, onde a cantada de rua, por exemplo, é vista apenas como uma brincadeira inofensiva e que as mulheres deveriam se sentir felizes em receber um assobio ou “elogio”. E muitas vezes, o ato de virar o pescoço na rua, é tanto para ver a bunda, como para ter o próprio ato registrado pelos amigos, como prova de masculinidade.
Tenho uma amiga que sempre faz questão de abordar o homem que lhe dirige uma cantada, nem sempre de um jeito “light”. Mas ela diz que mesmo quando humilha o sujeito, ela está sendo didática. Quer que ele aprenda que o que ele está fazendo não é uma coisa normal e que é uma forma de abuso sexual.
Esse exemplo aí de cima pode não ser o melhor, mas é importante falar sobre isso. Muito. Comportamentos que são vistos como normais, precisam ser discutidos. Casos em que a vítima é culpabilizada, têm que ser revistos. E talvez o mais importante: nós, homens, precisamos ser reeducados.
Tem gente que diz que o mundo está ficando chato, que as pessoas não sabem mais brincar e que estão criminalizando até a “cantada de rua”, essa instituição nacional. O que elas não percebem, é que para algumas pessoas o mundo sempre foi chato. E mais que isso, perigoso.
Uma história impactante e profundamente emocionante que tem feito muitas pessoas reavaliarem os prórios conceitos.
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