Das muitas gírias que já escutei por aí uma que me agrada muito é: “Quem é você na noite?”. É uma referência ao fato de que somos insignificantes na noite, onde todos os gatos são pardos. Menos importância, aliás é o conceito-chave para esse convite à “não ser ninguém na noite”.
Lembro-me uma vez quando presenciei na fila do Festival de Teatro uma cena que me marcou muito, uma pequena confusão e um fulano-de-tal fala para o funcionário no caixa “Você sabe com quem está falando?”. Sim, essa é uma prática mundial, não é só aqui que acontece não e ninguém está livre dessa horrível tendência que eu chamo de “se dar muita importância”.
Recentemente vivi algo parecido, era meu aniversário e eu queria fazer tudo, trabalhar, celebrar com amigos e receber um abraço da minha mãe, do meu pai e do meu avô. Passei rapidamente na casa da minha mãe e com a garagem alugada, parei no posto de gasolina ao lado. Pedi licença ao frentista para deixar o carro ali por cinco minutos e ele negou. Disse que essa era a ordem e eu não poderia parar ali, imediatamente sucumbi ao mal de “me dar muita importância” e iniciei o discurso: – Sou cliente há anos , vou abastecer, etc.” Nada disso convenceu o frentista que foi irredutível. Depois disso liguei para reclamar para o proprietário no maior estilo onde-já-se-viu e ele confirmou que essa era a ordem, não importa quem fosse. Ainda braba, prometi nunca mais voltar lá.
Enfurecida como estava, nada me fazia enxergar o quanto de importância eu estava me dando e que eu estava de fato errada. Nada menos o meu pai, quando contei para ele, ele disse: “- Você está errada, se todo mundo fizer isso os clientes dele não terão onde parar o carro!”. E hoje entendo que não adianta falar em gentilezas e políticas da boa vizinhança e “não custas!” em situações como essa. Se eu desejo tratamento igual para todos, tenho que entender que não sou mais importante que ninguém, o que vale para mim deve valer para todos e esse é o verdadeiro sentido de comunidade e de igualdade de direitos.
Mas, nós temos essa estranha mania de “nos darmos muita importância” e assim nos escondemos atrás dos títulos, status, bens e posses. Em uma sociedade onde dinheiro é poder essa prática é extremamente perigosa e muito comum. É perigosa porque beneficia poucos e exclui a maioria. E uma prática que exclui a maioria não tem valia nenhuma para o coletivo.
Na reunião de condomínio dessa semana revivi essa situação, uma das condôminas irritada com uma situação que lhe afetou iniciou seu discurso colocando todos os seus títulos “na mesa” e eu me entristeci por ela e por todos nós. Fiquei triste ao me dar conta de como atualmente nossos direitos e nossa voz estão tão diretamente ligados ao que temos e à títulos. Ela, enquanto condômina, tinha direito de ser ouvida, independente de sua profissão ou extrato bancário. O nosso direito de voz é um direito que temos como seres humanos que somos. Ponto.
Eu hoje tento fazer esse exercício constantemente de “me dar menos importância”, pois se quero uma sociedade mais igualitária onde todos possam ser ouvidos, primeiramente preciso aprender que não sou mais importante do que ninguém.
Eu também aprendi com a vida que títulos não trazem felicidade. Esse lance de status é uma grande ilusão e fico feliz de ter tido coragem para me libertar disso. Eu não quero me esconder atrás de um diploma ou um cargo. Inclusive quando abri mão de um emprego estável e do cargo de empresária (ou melhor, micro-empresária) para me tornar professora de inglês, descobri como todo ofício é nobre e sou infinitamente mais feliz hoje. Pensei nisso também enquanto “rasguei” diplomas (incluindo de mestrado) quando troquei de profissão. Do tal mestrado não quero o título, hoje tenho a certeza de que o que valeu mesmo foi a experiência em si.
E na próxima vez em que me perguntarem “o que eu faço da vida” ou “quem sou”, responderei com muito orgulho: coleciono pores-do-sol e sorrisos, divago em todas as horas, sonho com o dia em que todas as vozes sejam ouvidas, acredito em utopias. Minha escola é a vida.